quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O valor de uma história

A história do Ruca tinha sido um instrumento valioso na avaliação cognitiva e emocional daquela criança. Marquei a próxima consulta e despedi-me.  O Gabriel beijou-me espontaneamente pela primeira vez.

Desta vez entrou na consulta acordado e a falar. O Gabriel tem seis anos. Conheci-o com três, metido num carrinho e muito ensonado. Vinha de Viseu sem diagnóstico. Tinha tido, desde os três meses de idade, crises epilépticas de vários tipos, muitas delas muito prolongadas e desencadeadas por febre. Quase não falava e os pais, gente inteligente, insatisfeitos com a abordagem clínica que o filho estava a ter num outro centro, decidiram partir em busca de novo parecer. Para mim o diagnóstico era óbvio e na consulta seguinte tinha a confirmação genética da síndrome de que suspeitara. Nesse Natal recebi por correio, num envelope almofadado, um lindo anjinho branco, enviado pela mãe do Gabriel. Ainda hoje o tenho pendurado no tecto do meu gabinete.

 Entretanto a epilepsia do Gabriel tem estado razoavelmente controlada e, apesar do atraso no desenvolvimento da linguagem, é uma criança com uma vida normal. Decidimos adiar um ano a entrada para o ensino básico, dando-lhe mais algum tempo de preparação na pré-primária. Hoje a consulta era rotina. Ajustar doses de fármacos, escrever informação para a escola....

 Quando ele entrou no consultório, reparei que trazia na mão um saquinho cheio de M&Ms e pedi-lhe para me dar um. Fingiu não ouvir , foi direto à carteira da mãe onde meteu cuidadosamente a saqueta das guloseimas e em seguida correu o fecho.

 Comecei a conversar com os pais e ele, entretanto, foi direto à mesinha das crianças onde se encontram jogos e livros.

 - O Ruca! - exclamou entusiasmado.

 - Pegou no livro e pôs-se de pé ao meu lado.

 - Conta a história!

 Aproveitei o momento para avaliar as suas capacidades intelectuais e linguísticas e comecei-lhe a contar a história. O Ruca levantava-se da cama entusiasmado, lavava-se e vestia-se sozinho rapidamente, pois estava convencido que naquele dia ia ao circo. Ao chegar à cozinha o pai disse-lhe que não era naquele dia mas sim no seguinte, sábado, que iriam ao circo. De repente reparei na cara do Gabriel. Estava quase a chorar. Eu estava muito preocupada a ler o texto e não tinha reparado no desenho que o acompanhava. Na imagem colorida, via-se o Ruca na cozinha em frente ao pai, com uma expressão tristíssima. Mudei rapidamente de página e continuei a ler, desta vez atenta à imagem que acompanhava o texto. O pai consolava o Ruca dizendo-lhe que nesse mesmo dia, depois da escola, iam lanchar a casa dos avós e comer bolo de chocolate. Olhei para a cara do Gabriel. A expressão de tristeza tinha desaparecido, tal como na cara do Ruca. Ia a virar a página mas o Gabriel prendeu-me a mão e ordenou:

 - Espera!

 Dirigiu-se à carteira da mãe e correu o fecho. Tirou de lá o saquinho de M&Ms e pediu à mãe para o abrir. Em seguida colocou-o na mesa à minha frente e disse-me:

 - Come!

 Não me fiz rogada, meti três dedos no pacote e comi um molhinho de bolinhas de chocolate. Era hora de almoço e eu tinha fome. Mais a mais eu senti que, segundo o Gabriel, eu merecia aqueles chocolates. Continuei a leitura com o Gabriel encostado às minhas pernas. Quando terminei a história, pegou no livro e arrumou-o em cima da mesinha. Os pais não fizeram mais perguntas sobre as capacidades cognitivas do filho. A história do Ruca tinha sido um instrumento valioso na avaliação cognitiva e emocional daquela criança.

 Marquei a próxima consulta e despedi-me. O Gabriel beijou-me espontaneamente pela primeira vez.

Fonte: Visão

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Uespi dará início a pesquisas pioneiras de produção e uso medicinal de canabidiol

Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual do Piauí está em vias de iniciar os trabalhos de pesquisa dos primeiros projetos aprovados pelo governo estadual para o canabidiol, substância obtida do óleo da Cannabis sativa. O Piauí é o primeiro estado do país a autorizar a viabilização do projeto.
O grupo de pesquisadores responsáveis já estuda a substância há algum tempo, mas com a recente autorização do governador Wellington Dias para a produção do óleo no estado, foram criados projetos a serem executados pela Uespi e também pela UFPI (Universidade Federal do Piauí). As universidades fabricarão o medicamento em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (Fapepi), Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi) e o Centro Integrado de Reabilitação (Ceir).
Para um dos pesquisadores envolvidos no projeto, professor Fabrício Amaral, essa autorização pioneira dá uma contribuição para o estado nas áreas social, econômica e técnico-científica. “Estamos falando de grupos de pacientes que têm poucos recursos terapêuticos, de uma demanda reprimida de pais desesperados que veem um filho com 30, 40 crises convulsivas por dia”, explica.
De acordo com Amaral, a iniciativa abre portas para que o estado, inclusive, fabrique o produto para outras federações. “À medida em que você promove o desenvolvimento de novos fármacos, está criando um parque tecnológico que vai facilitar não só a comercialização do canabidiol como o desenvolvimento de futuros produtos”, acrescenta.

Histórico
 
O diálogo para que essa autorização pudesse ser realizada teve início com o I Simpósio Sobre o Uso Medicinal dos Canabinóides, ocorrido em março de 2017, e do qual a Uespi foi parceira na realização. “O simpósio esclareceu à sociedade porque ainda existe toda aquela cultura quando se fala da maconha. Aqui não se trata de projetos da liberação do uso da maconha para uso recreativo, mas do uso de uma substância isolada da planta, a partir da qual é feito o tratamento”, relembra uma das pesquisadoras, professora Rosemarie Brandim Marques.
A partir do evento, foram realizadas reuniões entre as instituições que trabalham com a temática, como a Uespi, UFPI e Ceir, e cada uma ficou responsável por montar projetos distintos. “Isso foi definido desde a programação que nós fizemos, que ocorreu lá no simpósio, e está bem definido em quê cada instituição vai contribuir para esse projeto. A Uespi vai fazer o teste de segurança genética e genotóxica, tanto antes de começar a distribuição com testes em animais para saber se há alteração a nível de DNA e também com o acompanhamento genético de pacientes do Ceir”, explica o professor Antônio Luiz Maia.
O Ceir ficará responsável pelo atendimento à população que necessita fazer uso dos medicamentos e também por fazer uma triagem e escolha de quais pacientes vão receber esse canabidiol produzido aqui, além do acompanhamento clínico. Já, a UFPI montou um projeto para cultivar a cannabis e extrair o óleo, o que levará um tempo para se concretizar, segundo os pesquisadores, visto que há que se fazer a seleção de mudas, do tipo, do rendimento. Logo, o início do projeto da Uespi se dará com o canabidiol importado e espera-se que, de seis meses a um ano, já exista a produção do óleo no estado.
Os projetos das três instituições estão no momento aguardando a liberação das verbas, que totalizam um montante de R$ 1 milhão. Além disso, também aguardam as autorizações da Anvisa e da Polícia Federal. “Estamos passando por todas essas etapas de forma bem sucedida, e agora nossa próxima etapa é, a partir do recurso liberado, cada instituição fazer sua parte, seus projetos. Dependemos do orçamento do governo”, esclarece Rosemarie. Ainda em 2018, o estado contará com uma câmara setorial de biotecnologia para apoiar a produção.

Epilepsia
 
Os três projetos terão um foco primordial no tratamento da epilepsia refratária, doença para a qual os medicamentos atuais têm seus efeitos diminuídos com o passar do tempo. A Anvisa já liberou tratamento também para a espasticidade, efeito que a esclerose múltipla traz ao paciente, onde ele perde a motilidade. De acordo com os pesquisadores da Uespi, existem outras doenças que estão sendo pesquisadas, mas a que está no momento sendo bastante utilizada é a epilepsia refratária.
O canabidiol é uma substância que não causa dependência, de acordo com Fabrício Amaral. O professor explica que na epilepsia a substância gera uma diminuição das atividades dos neurônios, e essa diminuição contribui para uma diminuição da excitação cerebral, comum em epiléticos. “O mecanismo em si ainda está sendo estudado, mas já é muito mais efetivo que os medicamentos que já existem no mercado. Além disso, ele é excelente analgésico, gera diminuição de dor em algumas situações, como na esclerose, e isso melhora a qualidade de vida do paciente”, diz.
Os pesquisadores também relataram que é importante o envolvimento da Uespi na pesquisa. “A Uespi hoje disponibiliza tanto recursos humanos, de propriedade intelectual, como de estrutura física para estar realizando esses experimentos dentro da própria instituição. Nossos professores são capacitados dentro da parte da pesquisa genotóxica”, comenta Maia, e acrescenta Rosemarie: “Hoje em dia você não consegue mais colocar no mercado um medicamento sem esses testes, a própria Anvisa exige isso”.
 
Autoria: Jonatas Freitas

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Síndrome de West: conheça este problema que pode causar atraso no desenvolvimento do bebê

Especialista recomenda que pais gravem vídeo e levem à consulta, a fim de evitar que o diagnóstico seja confundido com questões comuns
Desde o nascimento, e muito antes de aprender a falar, o ser humano já é capaz de se expressar e de interagir com os demais, sejam adultos ou outros bebês, por meio de olhares, gestos, posturas, vocalizações e outros recursos próprios da idade. O importante é se atentar a essas reações emitidas, pois elas podem ser sinais escondidos de problemas dos pequenos.
A síndrome de West é composta pela conjunção de três fatores, que são as crises do tipo espasmos infantil; atraso no desenvolvimento neuropsicomotor; e um eletroencefalograma com padrão muito desorganizado (hipsarritmia).
A doença é descrita como um tipo raro de epilepsia, que provoca atraso no desenvolvimento da criança. De um modo geral, se manifesta antes do primeiro ano de vida por meio de pequenas convulsões que podem ser de flexão ou de extensão. O diagnóstico pode ser demorado, pois os espasmos em flexão ou extensão podem passar desapercebidos e ter intensidade variada de acordo com cada criança.
No inicio, podem ser tão leves que não são notados ou confundidos com cólicas, tremores ou refluxo gastresofágicos, bem como com outros acontecimentos muito prevalentes nos bebês. São como se, de repente, a criança apresentasse sustos sucessivos.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que a prevalência é de cerca de um em cada quatro mil ou seis mil nascimentos. Segundo a estatística, os meninos são mais afetados que as meninas, com a proporção de dois para cada bebê do sexo feminino. Geralmente se inicia nos primeiros meses de vida e desaparece após o segundo ano, com pico maior de ocorrência entre o terceiro e nono mês de vida.
O Dr. Paulo Breinis, neuropediatra do Hospital da Criança, no Jabaquara, e do Hospital e Maternidade São Luiz Anália Franco, ambos da Rede D'Or São Luiz, explica que um dos grandes macetes é pedir às mães para filmarem o evento e levarem o vídeo para a consulta no próprio celular. “Ao ver o vídeo, o especialista consegue identificar de forma precisa o problema, não confundindo com um acontecimento banal, e sim caracterizando como uma síndrome epilética”.
Quando o diagnóstico é demorado, o paciente vai perdendo as aquisições antes conquistadas, pois a síndrome de West provoca deterioração psicomotora. Sendo assim, quanto mais rápida a descoberta, maior a chance de um tratamento eficaz, pois fará com que o paciente se livre das crises convulsivas, retornando ao seu estado normal, se desenvolvendo no ritmo habitual.
O tratamento é feito por meio de medicamentos prescritos pelo neurologista, além de reabilitação multidisciplinar – que é composta por fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia.

Fonte: SEGS