segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Transtornos cerebrais são investigados com minicérebros



Organoides mostram o desenvolvimento de doenças como esquizofrenia e autismo

Vistas de longe, elas parecem apenas bolhas dentro de um frasco vermelho. No microscópio, porém, estas estruturas de apenas dois milímetros trazem uma contribuição imensurável para a ciência. As pequenas fôrmas são minicérebros, como foram apelidados os organoides cerebrais humanos criados na Áustria em 2013 e que, agora, aterrissaram no Brasil, onde estão sendo usados em um estudo pioneiro sobre a esquizofrenia. A doença, assim como o autismo, está entre as que podem ter tratamentos desenvolvidos a partir dessas análises.
Pesquisador do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, Stevens Rehen destaca que os organoides são equivalentes ao cérebro de um feto de três meses. Trata-se, então, de uma oportunidade de acompanhar detalhadamente o desenvolvimento do órgão desde praticamente a estaca zero.
Outro importante diferencial do estudo é proporcionar pela primeira vez a análise tridimensional do cérebro.
É uma nova maneira de olhar para nosso próprio interior — ressalta o neurocientista. — Este fantástico modelo abre possibilidades para estudar em tempo real aquilo que acontece durante a formação do cérebro, incluindo alterações de desenvolvimento cujas consequências irão se manifestar mais adiante na vida.
Diversos grupos de pesquisa já criaram pequenas réplicas do fígado e do intestino, entre outras estruturas do organismo, mas até 2013 ainda não haviam conseguido realizar o mesmo com o cérebro, o órgão mais complexo do ser humano. A intenção não é reproduzi-lo por completo, e sim obter um tecido que já seja suficiente para investigar o desenvolvimento do sistema nervoso e a origem de algumas doenças neurológicas.
Até agora, só havia duas possibilidades de estudar a esquizofrenia: em animais com cérebros menos complexos, como camundongos, ou em humanos mortos — ou seja, no estágio final da doença. Mas ainda não era possível saber como ocorre o início do transtorno cerebral. Com os minicérebros, é possível estudar em tempo real eventuais alterações de desenvolvimento.
A equipe do neurocientista formou os minicérebros com a conversão de células extraídas da pele, do sangue ou da urina em células-tronco pluripotentes — aquelas que podem se transformar em qualquer célula do corpo humano, assim como as encontradas no embrião.
Colocamos estas células-tronco reprogramadas em um frasco de vidro que está sempre em movimento — descreve Rehen. — Este material recebe muitos estímulos, se agrupa e cresce, transformando-se em pequenos organoides cerebrais, de cerca de dois milímetros de tamanho.

REAÇÃO A SUBSTÂNCIAS

A “mistura” constante dos organoides no frasco proporciona aos cientistas testemunhar os principais processos biológicos e de que modo eles podem ser alterados. Por exemplo, como o cérebro reagiria com a introdução de uma determinada substância.
Como cada paciente cede as suas próprias células, a análise dos organoides é individualizada — ou seja, aquilo que vemos um frasco vem de apenas para uma pessoa.
A formação do minicérebro ainda é um processo demorado. São necessários seis meses para cumprir o caminho que começa na reprogramação de uma célula até o fim de seu estudo no frasco. Rehen espera concluir os primeiros organoides ainda este mês.
Além da esquizofrenia, a equipe brasileira dedica-se à produção de organoides de crianças com síndrome de Dravet, como é conhecida a epilepsia severa infantil. Esta pesquisa pode detalhar a formação do transtorno nos pacientes, além de contribuir para a busca por novas formas de tratamento.
Em estudo publicado em agosto de 2013 na revista “Nature”, cientistas do Instituto de Biotecnologia Molecular de Viena afirmaram que a baixa capacidade do minicérebro de armazenar sangue limitava o desenvolvimento de um exemplar maior do órgão. No entanto, o autor chefe da pesquisa, Jürgen Knoblich, afirmou que este procedimento ainda “não seria desejável”. O cientista também ressaltou que há um longo caminho a ser traçado até que um organoide desenvolvido no laboratório possa substituir um tecido cerebral.


Fonte: O GLOBO











 



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