quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Epilepsia: modelos matemáticos para compreensão e tratamento da doença

Pensar a introdução das tecnologias de informação e comunicação na ciência abre a possibilidade de vislumbrar as mudanças ocorridas na produção do conhecimento. Exemplos simples podem ser encontrados na prática científica contemporânea: a facilidade em recuperar referências na rede por meio de sites que oferecem acesso livre a artigos científicos, a rapidez com que se procede à identificação de pesquisadores que trabalham temas de interesse – no intuito de estabelecer parcerias – e o uso das tecnologias para mapear a produção científica de determinada área.
Neste contexto, quando as tecnologias digitais passam a ser vistas como ferramentas de pesquisa, acabam por disseminar práticas de conhecimento distintas, fornecendo traduções entre diferentes campos de pesquisa. Essas interpretações podem se dar em diferentes níveis e variam de acordo com o problema científico, as áreas em inter-relação e, ainda, a disposição e a capacidade dos pesquisadores envolvidos em manusear tais recursos.
No caso de Antônio-Carlos de Almeida, coordenador do projeto “Efeitos dinâmicos dos mecanismos sinápticos e não-sinápticos em epilepsias refratárias” – desenvolvido junto ao Laboratório de Neurociência Experimental e Computacional da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) –, a disposição para atuar em projetos com essas características apareceu desde muito cedo em sua formação. Graduado em Engenharia Elétrica, o pesquisador confessa o eterno fascínio pelos princípios biológicos, assim como pela possibilidade de descrever um sistema físico por meio de equações matemáticas. Dessa forma, na Engenharia, ele encontrou os atrativos fundamentais para treinar o jogo de observação e descrição que, posteriormente, usaria para estudar os sistemas biológicos – e, mais especificamente, os processos epileptogênicos (fatores responsáveis pela epilepsia).

Caminhos interdisciplinares

Nos anos 1990, ao ingressar no Programa de Engenharia Biomédica do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para cursar o mestrado, o pesquisador investiu no estudo da Neurociência, pela perspectiva da Engenharia. Contudo, apenas no doutorado – também realizado na UFRJ, sob a orientação do professor Antonio Fernando Catelli Infantosi –, é que o pesquisador dedicou, de fato, à modelagem matemática e às suas representações computacionais, voltadas ao estudo das epilepsias.
“À época, assumi o desafio de modelar uma atividade cerebral denominada ritmo teta, bem como atividades epileptiformes. Durante esse período, fui altamente incentivado por um grande neurocientista brasileiro, Hiss Martins Ferreira, do Instituto de Biofísica da UFRJ. De forma incansável, ele me entusiasmava ao estudo de outro fenômeno, também associado à epilepsia, denominado depressão alastrante*. Assim, ao assumir meu cargo na Universidade Federal de São João del-Rei, iniciei o desafio de construir um laboratório voltado à investigação das epilepsias e da Depressão Alastrante, o Lanec”, conta o pesquisador.
Segundo Antônio-Carlos, os trabalhos do Laboratório são desenvolvidos com base na estratégia de realizar medidas experimentais em fatias do cérebro e reproduzir esses achados em simulações computacionais baseadas em representações matemáticas dos tecidos neuronais.
Desse modo, a relação interdisciplinar entre a Engenharia e a Biologia, na visão do pesquisador, apresenta grande potencial científico. Seria muito difícil, afinal, abordar fenômenos biológicos complexos, a exemplo da epilepsia, sem o uso dos conhecimentos e práticas da Engenharia. Em sua perspectiva, o exercício fundamental consiste na descrição dos processos neurofisiológicos envolvidos, para, então, buscar-se identificar sob quais circunstâncias as alterações nesses processos poderão favorecer a deflagração de crises. “É exatamente aí que a pesquisa tem seus maiores ganhos”, afirma.

Cérebro equacionado

A pesquisa desenvolvida insere-se no âmbito do projeto Neurociências Epilepsia e tem apoio conjunto da FAPEMIG e da Fapesp. O estudo busca contribuir para o entendimento das epilepsias refratárias a medicamentos, com destaque àquelas que afetam, em grande parte, pacientes na fase infantil. De acordo com o pesquisador, a investigação da excitabilidade neuronal durante as transições entre os períodos ictal (estado fisiológico durante a crise) e interictal (estado fisiológico entre crises), nesse tipo de atividade, envolve sequência intrincada de interações de fluxos iônicos que não podem ser investigadas simultaneamente durante medidas experimentais. Neste caso, a simulação computacional é uma ferramenta poderosa, que permite testar hipóteses, agrupar informações experimentais de forma conexa e fazer previsões.
As simulações auxiliam a investigação experimental da influência de alterações geométricas do tecido cerebral em função do desenvolvimento, e, ainda, de modificações morfológicas (não-sinápticas) induzidas nos modelos experimentais de epilepsia. “Longe de desprezar a importância dos mecanismos sinápticos na gênese da epilepsia, a presente proposta considera que não se pode ignorar os mecanismos não-sinápticos (MNS) na instalação, curso e progressão dessa patologia”, avalia.
Para que se pudesse avançar nas proposições atuais da pesquisa, que envolvem interação com profissionais da área médica do estado de São Paulo, Almeida avalia a importância dos estudos realizados tanto para a modelagem matemática dos mecanismos associados ao fenômeno, quanto para os mecanismos não-sinápticos responsáveis pela transição entre os fenômenos epilepsia e Depressão Alastrante.
Para Antônio-Carlos, na medida em que os processos constituintes das epilepsias são representados por meio de equações matemáticas, entende-se, cada vez mais, a complexidade da doença. Diante dos consideráveis avanços alcançados, Almeida destaca como fundamental a ação colaborativa de diferentes especialistas envolvidos com o tema. Adotar a perspectiva interdisciplinar, portanto, revela-se, na visão do pesquisador, algo extremamente importante.
Na experiência da UFSJ, Antônio-Carlos salienta não apenas a formação de mestres e doutores em Bioengenharia, mas, também, a proposição de um novo curso de graduação voltado à formação de profissionais dentro do perfil interdisciplinar da Engenharia Biológica. “É um grande desafio formar profissionais capazes de atuar de forma interdisciplinar. Porém, temos docentes com experiência de mais de 20 anos de atuação em suas áreas, e, portanto, com qualificação para realizar, com êxito, essa tarefa”.

Fonte: Minas Faz Ciencia


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