quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Homem tem crises epiléticas ao jogar sudoku

Algumas das grandes descobertas a respeito do cérebro humano se devem a pessoas que certamente prefeririam não ter tido nada a contribuir para a ciência. Como não é muito saudável cortar pedaços da matéria cinzenta de um indivíduo vivo para ver o que acontece, uma das poucas estratégias de estudo à disposição dos neurocientistas de antigamente consistia em estudar pessoas que, como Phineas Gage, sofriam situações nada invejáveis. Uma barra de ferro atravessou a cabeça de Gage em 1848, e ele sobreviveu assim por vários anos, embora com uma mudança de personalidade – a qual levou a um avanço científico. Um certo Monsieur Leborgne era incapaz de dizer nada além da sílaba “tan”, e isso permitiu descobrir a zona do cérebro associada à fala, justamente a que estava danificada nele. Henry Molaison teve parte do hipocampo arrancada para ser curado de uma epilepsia, mas assim se tornou incapaz de gerar novas lembranças.
O último a entrar para essa lista é um homem com um problema muito peculiar: sofre convulsões sempre que tenta resolver um sudoku. De maneira irremediável, sua forma de encarar esse passatempo – uma espécie de palavras-cruzadas numérica – o faz perder o controle do braço esquerdo: “Quando faço um sudoku, me concentro num ponto concreto, sem deixar de analisar as opções horizontal e vertical. Ao fazer isso, minha mão esquerda termina se descontrolando. Começa com um tremor, sofro cãibras na minha mão, e ela se mexe sem parar. Essa situação tende a crescer e a terminar em um ataque, a menos que eu feche os olhos”, contou ao EL PAÍS, por e-mail, o paciente D. E., o novo representante da estirpe de Phineas Gage. Sua experiência foi relatada nesta segunda-feira em uma revista especializada, a JAMA Neurology, porque se trata de um caso “único”, segundo o médico que tratou dele, Berend Feddersen.
Feddersen conta que o paciente, aos 25 anos, sofreu um grave acidente de esqui nos Alpes austríacos e passou 15 minutos soterrado, sem oxigênio, até que um amigo o resgatou. A partir desse momento, sofreu alguns episódios de contrações musculares involuntárias. Mas a situação se descontrolou três semanas depois, justamente na hora em que o jovem se dispôs a resolver o passatempo numérico. E acontecia sempre que voltava a tentar. “Minha mão esquerda se transforma no epicentro de um ataque”, conta. As convulsões, similares às causadas pela epilepsia, levaram os médicos a procurarem nas ressonâncias magnéticas o lugar do seu cérebro onde ocorria um pico de atividade na hora de resolver um sudoku.



Feddersen, da Univesidade de Munique, explica que o jovem resolve os sudokus a partir de uma perspectiva espacial, o que acende a parte centro-parietal do hemisfério direito do cérebro. Precisamente lá, onde se ativa sua imaginação visual espacial, foi detectada uma lesão provavelmente causada pelo episódio de hipoxia, quando o cérebro ficou sem oxigênio depois do acidente. Graças aos sudokus, e à maneira específica como ele os resolve, os médicos descobriram a lesão, que posteriormente viria a se manifestar em outras tarefas que ativam sua imaginação espacial. Esse caso acaba reforçando também outras observaçãoes anteriores em que jogos e tarefas espaciais desencadeavam ataques epiléticos em determinados pacientes.
Para D.E., entretanto, resolver seu problema “é bastante simples”: “Fecho os olhos durante um ou dois segundos e o ataque para”. Mas por via das dúvidas ele parou de resolver sudokus há cinco anos, e nesse mesmo período não sofreu mais convulsões. “Por sorte, elas só acontecem em situações muito específicas. Dirigir um carro não é problema absolutamente nenhum. De modo que a minha vida não chega a ser muito afetada pela questão das convulsões-sudoku”, afirma o paciente. “Ao trabalhar com planilhas do Excel ou ler partituras de piano acontece como com o sudoku. Mas, como sou jornalista, não uso muito o Excel. E no piano eu improviso”, brinca.
Questionado por seu papel de cobaia acidental da neurociência, seguindo os passos de Gage, ele volta a mostrar senso de humor: “Por sorte não tenho uma barra de metal na cabeça. Mas, obviamente, espero que o artigo e o interesse dos meios de comunicação levem a algum tipo de esforço e de conhecimento coletivo. Estou bastante seguro de que a chave para o meu problema está por aí, então espero que as pessoas certas leiam o artigo. E, claro, espero que meu caso ajude a mais alguém por aí”. Mais uma vez, um sujeito azarado contribui para avanços no conhecimento do cérebro.
Fonte: El País


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