quinta-feira, 16 de junho de 2016

Depoimento: minha filha deixou de ser uma criança

"Quando minha filha Javiera completou oito meses de vida, descobrimos que ela tem esclerose tuberosa, uma doença que se caracteriza por tumores em todo o organismo e fortes ataques de epilepsia. Até os dois anos, Javiera usava um medicamento de controle e tinha uma vida relativamente normal. Depois disso, começou nosso inferno. Ela passou a usar cada vez mais remédios, até chegar a seis anticonvulsivantes, em dose máxima. Minha filha deixou de ser uma criança.
 Cada ano era pior que o anterior. Ela ficava internada em estado convulsivo, usava todo tipo de remédio. Quando completou quatro anos, nossa vida estava uma loucura. Javiera era agressiva, irritada, não mantinha sequer uma conexão visual com ninguém. Vivia num mundo totalmente paralelo. Estava muito drogada, dopada. E a gente não enxergava uma saída. Aos cinco anos, com ela em seu pior estado, eu já não queria viver. Queria morrer junto com ela. Porque já não tínhamos mais vida mesmo. Só um sofrimento diário.
 Em uma semana, Javiera já tinha menos convulsões, passou a ter uma conexão conosco e não nos batia. Até os cinco anos ela nos batia, forte. Tinha uma força incrível. De repente lhe dava um ataque de irritação e, em três pessoas, não conseguíamos contê-la. Com a troca para a cannabis, tudo estava melhor. Javiera pôde começar de novo sua vida. Foi um renascimento  para ela e para todos nós como família. Podíamos ter noites de tranquilidade, porque também nossas noites eram de horror, dormíamos poucas horas por dia e em vigiando para ver se não estava morta. E seguir por esse caminho foi o melhor que poderíamos ter feito.
 Com os medicamentos, Javiera ficava o dia todo tentando agarrar coisas no ar. Perdia totalmente a noção de mundo. Agora, ela vai ao colégio, um colégio regular, tem um vocabulário muito amplo, coisa que tinha perdido por anos. Isso, realmente te faz querer recuperar o tempo perdido pela medicação tradicional.
 O Mama Cultiva surgiu porque começamos a receber diferentes chamados. Ana Maria assessorava mães. Tivemos uma primeira reunião onde estavam nove famílias. Passados dois meses, fizemos um segundo encontro, com 110 famílias. Ensinamos a cultivar, a extrair o óleo da cannabis. A família sempre tem um amigo cultivador, seja aqui, seja no Chile, seja na Argentina. Se você não tivesse, eu ou outra mãe ajudávamos, porque somos uma cadeia de colaboração. Todas as crianças foram se tratando rapidamente.
 A Mama Cultiva é uma luz de esperança que nós não encontramos nos médicos. A Mama Cultiva é uma salvação para milhares de pessoas que foram abandonas por um sistema injusto, que só busca o lucro. Isso é Mama Cultiva. Nós cultivamos a cannabis e, a cada quinze dias, nos reunimos. As mães levam suas mudas e extraímos os óleos. Em média, o  equivalente a meio grão de arroz é o suficiente para uma semana. Antes eram vinte comprimidos diários de remédios tradicionais. Agora, é a um custo muito baixo. As famílias chilenas que têm um plano de saúde particular gastam entre 600 mil pesos a um milhão, por mês. E nos hospitais nunca há medicação. Essas mães são coagidas a intoxicar seus filhos com algo que nem mesmo dá resultado. A medicina privada deixa seu filho em estado convulsivo por até três semanas, e a pública manda você tratar seu filho em casa. Não querem que ocupe a cama de uma criança que tem mais chances de viver que a sua. Essa é a situação no Chile.
  A Cannabis entrega qualidade de vida para todos. Não apenas para os ricos que podem pagar pela internação e pelo tratamento de seus filhos. Quando uma criança está num estado convulsivo crítico, que pode durar de quinze minutos a duas horas, isso pode resultar em morte, em danos cerebrais, paralisia. E o que acontece? Você vê seu filho, nessa situação, entubado porque a medicação que indicam os deprime, diminui sua pulsação, e deixa seu filho em coma.
 Nós necessitávamos de estudos científicos, clínicos. Agora estão fazendo isso no Chile. Por quê? Porque algumas mães têm a convicção de que apenas o cultivo pessoal basta. Queríamos o cultivo porque precisávamos disso. Mas agora tem que entrar os estudos e a ajuda médica. Necessitávamos do autocultivo, mas não pode ser para sempre. Precisamos saber o que estamos dando para as nossas crianças.
  A maconha pode ser uma droga, mas as drogas mais fortes são as que estão permitidas. Imagina, por um lado a Cannabis permite que minha filha durma cinco horas, as drogas que são legais a deixam apagada por uma semana, como um vegetal, conseguindo mover apenas os olhos, sem nem poder falar. 
 Se você mostra para a sociedade como seu filho estava antes e como ele está agora, não há discriminação, nem mesmo dos médicos. Nem mesmo os médicos mais conservadores podem dizer que não há resultados. E os familiares, eles voltam a aparecer, amigos perdidos ressurgem quando seu filho não está batendo, gritando, jogando coisas para o ar. Mas se você não estava comigo quando eu precisei, não preciso de você agora.
 Javiera vai ao colégio, pinta, fala muito, inventa mil histórias, desfruta dum dia de sol, de chuva. Encanta-se com a vida. Sabe que usa Cannabis, sabe que isso pode aliviar a vida de muitas pessoas. Eu acredito que isso deve ser replicado no mundo todo, que toda família com uma criança que sofra dessa terrível doença tenha um alívio, como nós tivemos. Vale a pena lutar por eles. Precisamos de uma liberação desse sofrimento."

Fonte: Época


























Nenhum comentário:

Postar um comentário