Giliane Perin é formada pela Universidade Federal de Rondônia em
Vilhena, e junto com seu pai comanda o jornal Tribuna Popular em Cacoal.
Em um texto cheio de detalhes a jornalista conta como está aprendendo a
conviver bem com a epilepsia. O relato pode tirar muitas dúvidas sobre o
assunto e ajudar aqueles que também enfrentam a doença.
Conviver tem sido fácil, mas falar sobre sempre é difícil.
Difícil principalmente pelo medo que tenho da reação das pessoas. Eu já
me acostumei com a ideia, mas muitos ainda não entendem e até mesmo tem
um certo preconceito, por mais que acreditem que não.
A epilepsia é considerada uma síndrome neurológica, mas poderia
muito bem ser encarada como uma doença como qualquer outra: tem suas
causas (por mais que às vezes seja difícil identificá-las), tem seus
sintomas e tem tratamento.
Ser epiléptica nunca me tornou pior do que ninguém, jamais! Tenho
uma vida social ativa, trabalho e vivo muito bem. Claro que tenho
preocupações! Até hoje tive apenas uma crise forte durante o dia
(enquanto estava acordada) no restante, todas foram durante o sono
(enquanto dormia). Mas conviver com a possibilidade de cair e me debater
em frente às outras pessoas, confesso que não me agrada!
A crise epiléptica não se resume apenas às crises
tônico-clônicas. O tipo de crise em que a pessoa fica inconsciente e tem
contrações musculares involuntárias, bruscas e muito fortes. Nessas
situações, é comum a respiração ofegante, dificuldade em engolir a
saliva, mordedura da língua e algumas tantas outras situações. Dessas,
eu já tive algumas e confesso mais uma vez: não são nada agradáveis.
Como disse, apesar da maioria dessas crises ter acontecido
enquanto eu dormia, a sensação que me sobra quando a crise passa e eu
volto “à realidade” são um tanto cruéis. Me sinto totalmente
desorientada, sem saber e entender o que houve, uma dor insuportável
toma conta da minha cabeça, muitas vezes a boca fica machucada (por
morder a língua ou as bochechas), meu paladar é afetado (os gostos mudam
por um ou dois dias) e muitos outros sintomas e sensações desagradáveis
surgem.
Mas percebi, que com o passar do tempo, a gente mesmo se acostuma
com a epilepsia. Na última crise que tive, acordei, entendi o que havia
acontecido e tive (sabe-se lá o porquê) a consciência de não incomodar a
minha mãe e deixá-la ir trabalhar. Foram tantas as vezes que ela parou
tudo o que precisava fazer para ficar comigo, que na última,
“consciente”, não quis incomodá-la!
Fiquei quietinha no meu quarto e depois de um tempo apenas pedi
para que meu pai e irmã avisassem no trabalho que não poderia ir naquele
dia. A partir do momento em que avisei, os dois passaram a me espiar de
vez em quando e quando minha mãe chegou veio a bronca: “Nunca mais
deixe de me falar”! Sabem como é uma mãe né? Mas enfatizo aqui o alerta
da Dona Leane, não deixem de comunicar alguém próximo do que houve com
você. No caso eu só avisei meu pai e minha irmã, pois estava
“consciente” de que precisaria comunicar minha ausência no trabalho.
Senão seria bem capaz de eu ter ficado sozinha, trancada no meu quarto e
isso, como minha mãe bem disse, não pode!
Mas voltando a falar das crises, realmente engana-se quem pensa
que a epilepsia trata-se apenas daquelas convulsões fortes, que
realmente podem assustar qualquer um. Só que tudo vai muito mais além!
Como explica a Associação Brasileira de Neurologia em seu portal
na internet, as crises podem ser de diversos tipos, conforme o
comprometimento do hemisfério afetado. Um deles é a crise de ausência,
quando o indivíduo fica estático e ausente, retornando em seguida, onde
tinha parado. Devido a sua curta duração, dificilmente é percebida por
familiares. Acho que já me ausentei algumas vezes…
As crises parciais podem ser simples ou complexas. Nos casos
simples, o estado de consciência permanece inalterado. Nas crises
parciais complexas o estado de consciência fica alterado, ou seja, a
pessoa não consegue interagir com outras e não se lembra do que acontece
no período da crise. Estas crises são provocadas por alterações
localizadas em qualquer parte do cérebro, e portanto, causar os mais
variados tipos de sintomas. Por exemplo, durante uma crise parcial
simples a pessoa pode apresentar sensações de formigamento, contrações
em um braço ou perna, e outros sintomas. Outros sinais são mal-estar,
desconforto gástrico, medo sem motivo aparente e sensação estranha de
familiaridade (dejà vu). Nas crises parciais complexas, a pessoa pode
ficar confusa, fazer gestos mecânicos de mastigação e continuar
exercendo a tarefa que estava realizando de modo automático.
Há, também, as crises tônicas, clônica, mioclônica – marcada por
abalos musculares que se manifestam, predominantemente, no período
matutino – além de outras, que somam mais de trinta no total.
Nas inúmeras leituras que fiz até aqui sobre epilepsia, descobri
que me encaixo em uma quantidade bastante considerável de sintomas, dos
citados acima, por exemplo, já experimentei praticamente todos.
Mas não pense você que isso me impede de ser ou fazer o que eu
quiser. Faço de tudo, apenas quando necessário é que tenho uma certa
atenção redobrada. Mas confesso também: já não me sinto a mesma menina
animada de alguns poucos anos atrás. Às vezes me falta ânimo, motivação.
Mas ainda não sei se posso por essa culpa na epilepsia ou na velhice
que a cada ano aumenta. Vai ver é só a idade…
Pois bem, até aqui muitos podem se perguntar por que estou
escrevendo tudo isso… Pois digo: por preconceito! Já senti muita
vergonha por ter epilepsia e como falei, muitos são preconceituosos em
relação a essa doença. Não que eu tenha sentido na pele isso, até porque
os poucos que até então sabem deste probleminha são pessoas próximas.
Mas é que de tanto ler sobre o assunto, vejo que o maior problema
enfrentado por pessoas epilépticas é o preconceito. Preconceito não
apenas dos outros em relação a nós, mas preconceitos que surgem em nós
mesmos. Preconceito que eu mesma tive e ainda estou tentando superar,
por exemplo em relação ao novo medicamento que o meu neurologista me
receitou!
Até aqui eu fazia uso de apenas um medicamento, mas o Depakote, a
partir de um certo momento, passou a não ser mais tão eficaz para
controlar minhas crises. Então ele me receitou o medicamento, que não só
ele como tantos neurologistas, reconhecem como um dos mais eficazes.
Medicamento que muitas vezes deixa de ser receitado pelo preconceito que
os próprios pacientes tem em relação à ele: o Gardenal!
Sim, eu comecei a fazer uso deste remédio e superado o susto e
preconceito inicial, deposito nele toda a minha esperança… Afinal, se os
remédios começam a não dar conta de controlar a epilepsia, hoje em dia
com a medicina avançada, a cirurgia já se torna uma boa opção… Só que
confesso que ao ouvir isso do médico, o reboliço em meu estômago foi bem
maior! Então voltamos às minhas esperanças: Como informa a sua própria
bula, “o Gardenal é indicado para prevenir o aparecimento de convulsões
em indivíduos com epilepsia, assim como, para prevenir crises
convulsivas de outras origens”, então por que o preconceito?
Quando meu neurologista me indicou o Gardenal, eu me apavorei e
me chatiei sim. Senti forte na pele e no coração o preconceito que eu
mesma tinha ao remédio indicado para garantir o meu próprio bem. Como
muitos, e não se faça de espertinho, eu relacionava o Gardenal ao
tratamento de “loucos”. Por isso questionei o médico em relação à
péssima fama deste remédio e ele me explicou que o Gardenal foi muito
usado, décadas atrás, em doses excessivas para “conter” e “acalmar”
pacientes internados em hospícios, por ter também um efeito sedativo.
Acontece que davam para estas pessoas doses até 10 vezes maiores do que o
aconselhável para este medicamento, o que simplesmente acabava por
“dopar” os pacientes. E como naquela época os tratamentos não eram como
são hoje em dia, era muito mais simples “sedar” os pacientes e mantê-los
“calmos”, sem incomodar mais ninguém. Então se era louco: tacá-lhe o
Gardenal para acalmar.
E foi num papo muito bacana com o médico que vi que o que eu
sentia pelo Gardenal era realmente puro preconceito. Preconceito mesmo,
daqueles bem toscos! Claro que ainda não superei completamente a ideia
de estar tomando Gardenal, porque por mais que eu entenda a sua
indicação, sei que a maioria absoluta a desconhece e já fico aguardando
um momento em que um amigo, na inocência, chegue até mim e sem imaginar
solte aquela brincadeirinha famosa e corriqueira: “Vai lá tomar seu
Gardenal”. Aí eu vou simplesmente informar: “É só a noite que eu tomo o
meu (meio comprido diário de) Gardenal”.
Então está aí, obrigada a quem leu meu relato até aqui. Minha
intenção foi perder literalmente o meu próprio preconceito ao Gardenal e
encarar de frente a epilepsia! Espero que essa minha “coragem” em
relatar o que eu enfrento, motive outras pessoas que tenham epilepsia ou
qualquer outra doença da qual possam se envergonhar. A vergonha está
dentro de nós, eu resolvi encarar de frente e dar um “passa fora”!
Fonte: Correio de Notícias
Perfeito Giliane esse relato, meu irmão tomou gardenal por muitos anos devido a epilepsia.Hoje,ele já não toma mais nenhum medicamento. E a epilepsia voltou a fazer parte da minha história,meu namorado é epilético, ele toma o Depakote 50mg. Eu confesso que quase terminei com ele quando eu soube, pois ele não me falou de cara que era epilético, pensei em várias coisas e principalmente no que passávamos pelo meu irmão, houve uma época que ele tinha várias crise ao dia, ainda assim deixei o preconceito e o amor falar mais alto, já estamos com 8 meses juntos e felizes. Parabéns pela coragem! Idê
ResponderExcluirÓtimas palavras as suas e que seu amor continue sempre falando mais alto.
ExcluirEu sou o namorado da Idê, e li o seu relato. Também passei e passo por muito preconceito, mas a partir do que escreveu ficou mais fácil para mim aceitar o meu problema. O meu caso é desencadeado por fotoestimulação, então evito esse tipo de estímulos e tomo o medicamento regularmente. Esse relato me ajudou a abrir meus olhos sobre o preconceito existente sobre os remédios e as pessoas epiléticas. Tive conhecimento do texto pela minha namorada que tanto amo e me aceita como sou. Mack Douwer
ResponderExcluirQue bom e que continue tudo dando certo e seja sempre forte
Excluirabraços
Eu sou estudante de jornalismo, e fico pensando na minha vida profissional. Eu tinha alguns sinais quando eu era adolescente, alguns dejavus, umas crises parciais simples. Só tive uma crise mesmo em 2014, depois em 2015, e agora nesse primeiro semestre de 2016 eu comecei a ter umas crises parciais complexas. A maioria me dá quando eu tô dormindo, onde eu falo, me mordo, mas não lembro de nada. Já tive acordada também, onde eu perco a noção das coisas, falo coisas sem nexo, depois vou dormir e quando acordo sinto frio, dor latejante na cabeça, não sinto fome, tenho dejavus, muito sono, fico tristonha. É muito complicado isso. Tenho que me preparar mais ainda não só para o meu tratamento, mas para o convívio. Tomo oxcarbazepina, fiz exames recentemente e tomara que eu consigo melhorar. Vou acompanhar mais esse blog.
ResponderExcluirObrigado, realmente algumas pessoas passam pela mesma situação que você vive ou ate mais complexa, faz parte, não se deixe abalar por estes momentos que você vier a ter,
Excluire sim alcance seu objetivo profissional e seja feliz no seu convívio social onde as vezes é dificil pela falta de conhecimento de muitas pessoas, mas faz parte, abraços.
Hoje por acaso pesquisando mais sobre epilepsia, encontrei meu texto neste blog!!! Fico muito feliz por ajudarem a repercutir o meu enfrentamento!!! A partir deste texto, encarando de frente a epilepsia, tudo se tornou mais fácil! Recebi muitas mensagens... o que me deixou muito feliz! Me sinto honrada em poder compartilhar minha vida com pessoas que assim como eu, enfrentam o dia-a-dia do "viver com epilepsia"
ResponderExcluirRealmente a vida das pessoas com epilepsia é muito dificil, devido a falta de informação e conscientização por parte do meio social, que ainda é grande, o preconceito dificulta a vida das pessoas com epilepsia, infelizmente, o seu exemplo é muito bom e que você continue sempre sendo positiva, continue alcançando seus objetivos e superando as dificuldades que fazem parte da vida das pessoas com epilepsia, abraços
ExcluirParabéns Gili pela essa linda iniciativa, realmente não sabia que o Gardenal era para tratamento de epilepsia, mais uma vez parabéns pela essa linda atitude!!! Abraços
ResponderExcluirOlá, agradeço a você pelo elogio dado a ela, fico feliz, abraços
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