Gramado (RS) — Conhecida há pelo menos 4
mil anos, quando textos assírios já descreviam seus sintomas, a
epilepsia foi, por muito tempo, incompreendida, a ponto de doentes serem
considerados possuídos por espíritos malignos. Embora hoje seja
possível controlar as crises com remédios e, em alguns casos, cirurgia,
alguns aspectos dessa patologia continuam a desafiar a medicina. É o
caso da morte súbita inesperada (Sudep), uma condição pouco falada e sem
causa completamente esclarecida.
Um dos
maiores especialistas mundiais em epilepsia, o neurocientista francês
Philippe Ryvlin, professor da Universidade de Lyon e diretor do Grupo de
Pesquisa Translacional e Integrativa em Epilepsia da instituição, diz
que a Sudep é responsável por 50 mil mortes anuais. “A maior parte das
pessoas que morrem por essa causa tem mulher, marido, filhos, família...
Elas têm crises de tempos em tempos, mas levam uma vida normal. Então,
de repente, são encontradas mortas. É uma situação devastadora e
dolorosa. Temos de encontrar uma forma de preveni-la”, afirma Ryvlin,
que participou do congresso Brain 2018, na semana passada.
Essa
é a forma mais comum de morte de pessoas com epilepsia refratária, ou
seja, aquelas que não respondem ao medicamento, estimadas em 30% dos
pacientes. Nessa população, a taxa de óbitos pela condição é de três a
nove a cada mil pacientes ao ano. Já naqueles com a doença controlada, a
incidência é menor: de uma a duas pessoas em cada mil. O risco
individual aumenta anualmente: “É de 0,5% a 1% ao ano, mas, se a pessoa
vive 20 anos, pode ter um risco 20% maior de morrer por Sudep”, observa
Ryvlin.
O médico afirma que, recentemente, pesquisas aumentaram o
conhecimento a respeito da Sudep, o que poderá levar a mecanismos
preventivos. Segundo ele, na maioria dos casos, o indivíduo dormia
sozinho e sofreu uma convulsão generalizada, quando os dois hemisférios
do cérebro são afetados. Nessa situação, diferentemente das crises
parciais, o paciente fica com rigidez muscular, cai inconsciente, seu
corpo debate-se rapidamente, ele pode urinar ou defecar por descontrole
dos esfíncteres, além de espumar e morder a língua. Isso pode levar até
três minutos. Ao acordar, a pessoa se sente muito cansada e não se
lembra do que ocorreu. No caso das vítimas de Sudep, logo após o fim da
crise generalizada, elas param de respirar, o funcionamento do coração
sofre alterações e, em poucos minutos, ocorre a morte.
Atualmente,
a única forma de prevenção é tentar fazer com que se tenha o mínimo de
crises possível. “É muito improvável que pessoas com crises normais e
controladas sofram de Sudep. Então, a primeira coisa é ter um tratamento
adequado”, explica Philippe Ryvlin. “Os tratamentos antiepilépticos
geralmente conseguem evitar que a crise iniciada se generalize no
cérebro. Muitas pessoas poderiam ter convulsões, mas não têm porque a
medicação, mesmo não evitando todas as crises, controla pelo menos a
propagação do ponto em que ela inicia até virar uma convulsão
generalizada”, observa o neurologista André Palmini, diretor científico
do Programa de Cirurgia da Epilepsia do Hospital São Lucas da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Controle Vestivel
Hoje, sabe-se que, se o paciente que sofre uma crise generalizada
não está sozinho, a chance de sobrevivência aumenta. “Na maioria dos
casos, quando alguém consegue agir no fim da crise, isso pode ser
suficiente para evitar o ataque cardiorrespiratório. Mudar o paciente de
posição, por exemplo, é importante porque muitos morrem sufocados pelo
travesseiro. Essa não é a única razão, mas se houver alguém por perto,
isso pode ajudar”, destaca.
Por isso, se o
paciente for de alto risco para Sudep, é recomendado ter em casa algum
equipamento que dê o alarme, como uma babá eletrônica. Embora não
existam estudos indicando uma redução de óbitos associada à presença
desses aparelhos, Ryvlin destaca que eles poderiam ser um arsenal a mais
na prevenção da morte súbita. Uma estratégia que tem sido pesquisada
são os dispositivos vestíveis, como pulseiras e relógios inteligentes.
“Eles ainda não são bons o suficiente para acusar todo tipo de crise
epilética, mas são muito bons para detectar convulsões generalizadas”,
conta o neurologista.
Nos Estados Unidos e na
Europa, existem alguns modelos no mercado. De acordo com Fernando
Cendes, professor do Departamento de Neurologia da Universidade de
Campinas (Unicamp), a instituição brasileira também trabalha no
desenvolvimento de um acessório do tipo. Ryvlin explica que os
dispositivos funcionam detectando alguns aspectos, como o movimento, a
contração muscular ou, ainda, condutores da pele. Ao perceber a crise,
mandam um alarme para um familiar, o que pode ajudar na intervenção.
Nenhum equipamento é mais importante, porém, do que seguir o tratamento
adequado, ressalta André Palmini. “Ainda que o paciente continue tendo
crises, o tratamento é fundamental para que essas crises não cheguem a
convulsões generalizadas”, diz.
Fonte: Correio Braziliense
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