quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Mães se organizam no Estado para ter acesso a consultas e remédios à base de cannabis

Desde que o uso terapêutico do Canabidiol (CBD) foi autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em janeiro de 2015, a busca por medicamentos com base no princípio ativo da planta Cannabis sativa cresce em todo o país, impulsionada também por estudos científicos que comprovam as vantagens da substância sobre remédios convencionais para o tratamento de epilepsias, autismo e diversas síndromes graves que afetam crianças, adolescentes e jovens, e que lhe impingem efeitos colaterais que limitam a saúde integral dos pacientes. 

No Espírito Santo, um grupo de mães se reúne desde janeiro – e basicamente pelas redes sociais a partir do confinamento em função da pandemia de Covid-19 – para se fortalecer em um movimento que busca facilitar o acesso a consultas médicas com especialistas e a compra de medicamentos produzidos no Brasil a preços mais baixos que os importados. 


"Estamos no grupo para que a gente tenha voz no Estado. Eu fico triste que às vezes você vai conversar com alguém que é especialista, um médico ou psicólogo, e ele prefere continuar com a medicação convencional, mesmo sabendo do potencial medicinal da cannabis. Existe muito preconceito entre os profissionais de saúde. Essa barreira do preconceito tem que ser quebrada", declara a designer personalizada e estudante de Pedagogia Kelle Alvarenga, mãe de um menino de cinco anos, que desde o desmame, há mais de três anos, convive com graves crises de epilepsia.

"Não gosto de dizer maconha, porque é um nome que foi dado para demonizar a planta. A gente está buscando mais forças, pretende formar um grupo com mais de 100 mães, criar uma associação, dar um ambiente fixo pra essa associação e meios de contato e redes sociais. Com mais de 100 mães, fica muito mais fácil o processo", projeta. "A princípio a gente não quer uma associação que as pessoas tenham que pagar mensalmente um valor fixo, mas sim vender produtos para sustentar a entidade", conta. "Queremos mais qualidade de vida. Tem gente que tomava cinco tipos de medicação por dia e hoje toma só usa o óleo da cannabis".

Por enquanto, as mães do grupo acessam a associação Flor da Vida, em São Paulo, que fornece consultas médicas com especialistas e auxiliam no preenchimento dos formulários necessários para a compra dos medicamentos da própria Flor da Vida ou outras quatro ou cinco instituições brasileiras que produzem e comercializam. "O óleo dela mais barato é R$ 150,00 e o mais caro R$ 900,00. Tem também pomada, spray de emergência", conta Kelle.

"É um potencial muito grande", diz, citando ainda a utilização da Cannabis na produção de papel e fibras. "O governo dos Estados Unidos arrecada três bilhões com os produtos da cannabis. No Brasil pode-se plantar o ano inteiro e ainda ajuda na recuperação do solo", afirma. "Goiânia já tem lei respaldando o uso e o governo vai dar medicação. No Rio de Janeiro também, João Pessoa tem lei estadual. Nosso Estado precisa caminhar melhor referente a isso. No evangelho diz que tem que preservar a vida, amar o próximo. É uma oportunidade, uma coisa muito boa que as pessoas precisam conhecer", defende.

Desenvolvimento cognitivo

A dona de casa Kelly Mafra afirma que o CBD "é o nosso próximo remédio". A expectativa, afirma, é de acabar com as crises de epilepsia e melhorar o desenvolvimento cognitivo da filha, de nove anos, diagnosticada desde bebê com esclerose tuberosa. "Ela já tomou de tudo. Não temos mais opções de remédio. O caso dela é muito grave", diz.

Há um ano, a filha passou a não ter mais crises, devido ao uso de um remédio imunossupressor, que também reduz os tumores, melhora o aspecto cognitivo e as crises, mas traz o problema de reduzir a imunidade. Durante a pandemia de Covid-19, a menina desenvolveu uma pneumonia e a família suspendeu o medicamento, intensificando o confinamento para evitar outras enfermidades.

"Depois da pandemia voltaremos a conversar com a neuro. Íamos começar a usar no início do ano, mas resolvemos esperar a venda nas farmácias, pois entrando no rol da ANS [Agência Nacional de Saúde], consigo o fornecimento pelo meu plano de saúde. O neuro que cuidava da minha filha em Belo Horizonte é muito experiente no uso do CBD e há alguns anos já tinha prescrito pra ela. Em 2017 já estava com ideia de começar o uso, mas a neuro daqui resolveu tentar esse imunossupressor primeiro. Deixamos o CBD como última opção, por ser muito difícil e caro", relata.

Agressividade

A aposentada Eunice Maria Morelato usa o mesmo imunodepressor com o filho que sofre também da esclerose tuberosa, com uma epilepsia de difícil controle e autismo. Recentemente, um dos tumores cresceu, entupindo o canal onde desce o líquido pra coluna e provocando uma hidrocefalia, tendo sido então instalada uma válvula de derivação periférica, para drenagem do líquido acumulado. De um ano pra cá, também um comportamento agressivo (auto e heteroagressão) agravou o quadro do jovem.

"O everolimus é o princípio ativo do remédio que usamos, o afinitor. Ele combate o crescimento dos tumores e pode ressecar o tumor. É usado como coadjuvante em alguns tipos de câncer, mas baixa a imunidade. Tem que ser usado com cuidado. Estamos dentro de casa, para evitar contaminações. Tanto a neuro quanto a psiquiatra dele já cogitaram a possiblidade do CBD, mas o valor é acima de R$ 2 mil. Até o ano passado a neuro não era favorável, mas agora já passou pra outro paciente e recomenda a ele também", descreve Eunice.

A participação no grupo de mães, conta, objetiva facilitar o acesso ao medicamento. "Principalmente para mães que não têm plano de saúde e recursos, o remédio fica muito caro e também as consultas médicas. Tudo o que vai sendo estudado, divulgado e aceito, com o tempo diminui o custo. Antes tinha que importar o Canabidiol, agora já tem laboratório brasileiro fabricando, mas ainda é alto o valor. Daqui a dois anos, vai ser mais fácil. Meu filho sempre tomou muito remédio, pegava em farmácia de alto custo. O que antes custava R$ 400, hoje está em R$ 70", conta. "Minha expectativa é diminuir os medicamentos. O que se diz é que pessoas que tomavam três antidepressivos, conseguiram parar com todos depois de começar a usar o óleo de CBD. Minha preferência é sempre pelo mais natural. Melhor um óleo de ômega 3 do que um tarja preta", diz.

Regularização do sono

A psicóloga Kenea Peixoto Lasmar também defende os medicamentos menos sintéticos. A experiência com o CBD com seu filho de nove anos tem sido boa. "É tão simples e natural!", declara, citando a regularização do sono como principal benefício para ambos. "Fiquei três anos sem dormir", ressalta.

Outros efeitos positivos são a estabilização emocional e a potencialização do efeito estabilizador da respiridona, que ainda utiliza. "Ele toma o óleo uma hora antes de dormir, assim o médico me explicou. Estou reduzindo as gotas e percebo que ele acorda à noite", explica, acrescentando que durante o confinamento precisou aumentar a dose.

Sistema endocanabinoide

Na esteira do crescimento da demanda por consultas especializadas e medicamentos à base de Canabidiol, o Centro de Excelência Canabinoide (CEC), com sede em São Paulo, inaugurou duas unidades no Espírito Santo na segunda-feira (19/10), uma em Vitória e outra em Colatina, ambos com neurologistas e neuropediatras especializados. 

O foco é na medicina personalizada e centrada no sistema endocanabinoide, responsável por várias funções metabólicas e de modulação do organismo, incluindo resposta imune e inflamatória, entre outras. E o modelo de assistência médica envolve toda a jornada do paciente, desde o agendamento e triagem, passando pela consulta e se estendendo até o acompanhamento do tratamento, incluindo programas de apoio clínico e SAC Digital 24 horas, para tirar dúvidas em tempo real. A metodologia também coloca à disposição dos pacientes recursos de telemedicina para os atendimentos.

A operação do CEC possui quatro vertentes: CEC Medical, responsável pelo atendimento clínico; CEC Academy, voltado à formação de profissionais da saúde; CEC Learn, com conteúdos sobre o uso medicinal da cannabis disponibilizados para toda a sociedade; e CEC Science, direcionado à comunidade científica, com curadoria de estudos científicos e fomento a pesquisas.

Na capital paulista, são mais de 200 atendimentos mensais, envolvendo enfermidades como fibromialgia, ansiedade, depressão, dor crônica, Alzheimer e Parkinson, tendo à frente o médico Pedro Pierro, neurocirurgião funcional com especialização em cannabis medicinal.


Fonte: Agência Brasil

 

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