sábado, 27 de dezembro de 2014

O homem que produz proteínas com a força do pensamento

Martin Fussenegger quer que você use melhor o próprio cérebro. Fusseneger é professor do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. Há mais de 20 anos, busca formas de controlar o comportamento de células de mamíferos. É capaz de, usando feiches de luz, forçá-las a produzir proteínas que fazem bem para o corpo. Descobriu, agora, que consegue o mesmo resultado usando somente a força do pensamento: “Fomos os primeiros a descobrir como usar a mente para controlar a ação de uma célula”, diz o pesquisador.
O trabalho de Fusseneger lembra uma história de ficção científica. Em um artigo recém-publicado na revista Nature Comunications, Fusseneger descreve como usar ondas cerebrais geradas por humanos para controlar o funcionamento de genes de ratos. No experimento, pensamentos humanos ativaram uma espécie de implante luminoso instalado sob a pele dos ratinhos. A luz estimulou a ação de um gene, que desencadeou uma série de reações químicas e a produção, no corpo do animal, de uma proteína. A quantidade de proteína produzida variava conforme a concentração do humano: quanto mais relaxado, melhor.
Seu objetivo é usar a nova técnica para tratar pessoas paralisadas, com parkinson ou epilepsia. Elas não precisariam da ajuda de ninguém para se medicar: bastaria pensar para que implantes fizessem suas células despejar, na corrente sanguínea, as substâncias que as fariam se sentir melhor. “Dentro de dez anos, essa técnica estará disponível para uso médico”, afirma o professor. Para chegar a esse resultado, ele precisou mesclar duas tecnologias ainda em desenvolvimento. A inspiração veio de um brinquedo para crianças.

Uma das tecnologias usadas é especialidade de Fussenegger. Em 2011, sua equipe foi pioneira na utilização de uma técnica chamada optogenética. Os cientistas descobriram que alguns genes reagem à presença de luz – entram em ação e começam a produzir proteínas quando irradiados. Esses genes podem ser implantados dentro de células de mamíferos. Fussenegger e seu time implantaram os genes sensíveis à luz nas células de ratos. Sob a pele dos animais, inseriram um implante de LED que emitia luz próxima do espectro infravermelho e que podia ser ligado por controle remoto. Quando o pesquisador apertava o botão, a luz acendia e os genes entravam em ação.
Microbiólogo de formação, Fussenegger se apaixounou pela optogenética.  A ideia de dominar o funcionamento de células o seduziu em 1996, quando começou a trabalhar no instituto de tecnologia de Zurique.”Nós queríamos usar células de mamíferos para produzir proteínas terapêuticas”, diz. “Isso me deixou interessado no uso da microbiologia e da biotecnologia na criação de terapias para humanos.” O sucesso do experimento com os implantes luminosos o convenceu de que era possível criar tratamentos nos quais, em lugar de receitar remédios, o médico induziria as células do paciente a produzir aquilo de que ele precisava.

Fussenegger passou os últimos quatro anos buscando meios de aperfeiçoar esse mecanismo: “Quando você passa muito tempo pensando a respeito disso, acaba lhe ocorrendo: E se usássemos a mente?” A conclusão de Fussenegger tinha explicação lógica: para ligar os implantes luminosos, usava-se eletricidade. O mesmo tipo de sinal elétrico que mantém nossos cérebros funcionando. “No fim, o cérebro humano funciona à base de energia elétrica. Achei que fosse possível usá-la.” Faltava descobrir como
A solução veio de um jogo para crianças chamado Mindflex. Nele, competidores usam uma espécie de aparelho de eletroencefalograma. As ondas cerebrais registradas pelo brinquedo movem uma bolinha através de obstáculos. Fussenegger percebeu que poderia usar pensamentos para acender a lâmpada.
Essa não era, propriamente, uma solução inovadora. Desde os anos 1970, cientistas buscam maneiras de conectar o cérebro humano a máquinas. Acumularam sucessos desde então. As interfaces cérebro-máquina já permitiram que humanos controlassem braço mecânicos, movessem cadeiras de rodas e colocassem para funcionar um exoesqueleto mecânico que devolveu movimentos a  um paciente tetraplégico. O Brasil tem destaque na área. Na abertura da Copa do Mundo de 2014, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis usou um exoesqueleto para fazer um homem tetraplégico colocar uma bola em campo.
Fusseneger refez esse caminho. Conectou um aparelho de eletroencefalograma ao crânio de seis pessoas. Elas foram instruídas a relaxar ou se concentrar. Para relaxar, pensavam em coisas boas, como as últimas férias de verão. Para se concentrar, jogavam videogame. Cada um desses estados mentais gerava uma onda cerebral diferente, que o aparelho captava. Os pensamentos eram enviados para um processador que os traduzia: transformava em instruções para determinar por quanto tempo a luz dos implantes sob a pele dos ratinhos deveria permanecer acesa. A luz estimulou um conjunto de genes que desencadearam uma série de reações químicas e, de repente, Fussenegger se deu conta de que o experimento dera certo. “Ficamos extremamente animados”, diz ele. “É o tipo de sentimento que o impulsiona a continuar a criar.”
Sua equipe tenta, agora, refinar o aparelho. A ideia é mover os implantes – tirá-los dos ratinhos para colocá-los em humanos. Eles ajudariam no tratamento de doenças que eliminam o controle da pessoa sobre o próprio corpo, como epilepsia e dor crônica. Fussenegger afirma que essas doenças geram ondas cerebrais específicas. A ideia é identificar essas ondas. Quando um surto de epilepsia estivesse prestes a começar, por exemplo, o aparelho de eletroencefalograma – uma faixa na testa do paciente – se daria conta do problema. Enviaria um sinal para o implante luminoso que despejaria na corrente sanguínea a substância necessária para aliviar as convulsões. A pessoa nem precisaria pensar muito a respeito. Seu cérebro faria tudo.  O mesmo sistema ajudaria pacientes completamente paralisados. Aqueles que sofrem da síndorme de locked-in – não conseguem mover sequer um músculo, mas continuam conscientes, como que aprisionados em seus corpos. Iisso lhes daria alguma autonomia e conforto.

Testes com implanetes em humanos ainda não começaram. Fussenegger está animado: “Num futuro distante, e isso soa como ficção científica, pode ser possível cuidar de si mesmo apenas pensando”, diz ele. ”Será tão fácil quanto tomar um comprimido”.
Época







 

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