Apesar dos avanços recentes em tecnologia diagnóstica, ainda há controvérsias sobre os métodos mais eficazes para investigar a doença e tratar diferentes perfis de pacientes. Pensando em investigar os avanços e dúvidas no diagnóstico e tratamento da doença, pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) desenvolveram um artigo de revisão que avalia critérios de conduta e explora estratégias futuras, enfatizando a necessidade da medicina personalizada.
Thales Pardini, autor do artigo e doutorando no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP, explica que a proposta do trabalho é ser um guia prático, que defina protocolos para o atendimento clínico. “Havia uma necessidade de transformar as informações de neurologia em algo didático para a população médica e para os residentes”, afirma.
Tissiana Haes é médica especialista em Neurofisiologia pelo HC. Em seu doutorado, ela realizou um levantamento dos casos notificados de neurocisticercose em Ribeirão Preto nas últimas três décadas. “Agora compilamos perspectivas dos serviços e recursos oferecidos. Existem diferenças regionais, de desenvolvimento socioeconômico e cultural relevantes [para a ocorrência da doença]”, explica.
Regiões endêmicas são caracterizadas pela precariedade do saneamento básico. “Quando uma água contaminada é utilizada para lavar vegetais, isso vai ser ingerido de maneira acidental”, afirma a pesquisadora. Ela complementa que, após a ingestão dos ovos, as oncosferas penetram a mucosa intestinal, chegam à circulação sanguínea e se instalam em tecidos como o cérebro, onde se desenvolvem em cisticercos. “Aqueles cisticercos podem permanecer inativos ou desencadear inflamação”, ressalta.
O consumo de carne de porco crua ou mal cozida, principal forma de adquirir a teníase (infecção intestinal causada pelo mesma parasita), também apresenta riscos: o portador elimina ovos nas fezes, que podem contaminar água e alimentos, perpetuando o ciclo da NCC. “Se uma pessoa tem teníase, ela vai liberar os ovos nas fezes e pode se autocontaminar”, explica Thales Pardini.
Diagnóstico padrão
O exame de imagem é um dos pilares mais importantes para avaliar o tipo de lesão cerebral do paciente. Segundo os pesquisadores, a tomografia computadorizada é útil para identificar lesões calcificadas. A ressonância magnética é mais eficiente na detecção de cistos ventriculares e subaracnóideos (tumores benignos que se desenvolvem em uma das três meninges que revestem o encéfalo e a medula).
Exames sorológicos são comuns e têm boa sensibilidade em casos de múltiplas lesões, mas falham em identificar lesões únicas ou calcificadas. “Para realizar testes de imunologia durante a investigação, dependemos de recursos financeiros mais avançados”, reforça Pardini.
Após o exame de imagem, é necessário avaliar se os cisticercos estão no parênquima cerebral (massa cinzenta), forma mais comum e branda da doença, ou nas cisternas basais subaracnóideas (região mais inferior que envolve o encéfalo e por onde circula líquido cérebro-espinhal), causando a forma racemosa. A NCC racemosa aumenta o risco de hidrocefalia e outras complicações neurológicas.
“Se a larva está nos ventrículos ou em volta do tronco cerebral, região onde o líquido é drenado, ela pode obstruir a passagem e aumentar a pressão intracraniana, gerando uma manifestação muito mais grave [da neurocisticercose]” – Tissiana Haes
A inflamação do cisto pode gerar meningite crônica. “O paciente pode ter muita dor de cabeça, crises epilépticas muito fortes e, junto com a hipertensão intracraniana, isso pode ser ameaçador à vida”, complementa.
A cientista comenta que testes inovadores estão sendo desenvolvidos a partir de antígenos recombinantes e proteínas sintéticas, mas ainda não estão disponíveis na maioria dos centros. “Estamos utilizando outras partes do parasita para melhorar a detecção pelo sangue ou pelo líquido”, explica.
Tratamento personalizado
O uso de antiparasitários é recomendado quando há evidência de cistos viáveis. O Albendazol e o Praziquantel são as drogas mais indicadas em casos de 1-2 cistos viáveis e de múltiplas lesões, respectivamente. Estudos mostram que a combinação dos dois medicamentos pode ser mais eficaz do que a monoterapia. Porém, há controvérsia sobre tratar ou não lesões únicas, pois muitas regridem espontaneamente.
O segundo passo é o uso de anti-inflamatórios, o mais comum sendo o corticosteroide – fundamental para reduzir edema perilesional e reações inflamatórias. Em seguida, a recomendação é de medicações anticrise, para tratar a epilepsia. “Além desse tripé, a cirurgia é indicada em situações específicas”, diz Pardini.
A forma da doença, a imunossupressão do paciente, a quantidade e a localização dos cistos influenciam na eficácia do tratamento. “Se a imunidade não for boa, a resposta vai ser diferente: a medicação controla cistos viáveis, mas o restante quem faz é o organismo”, explica o pesquisador. “Por fim, existe o fator adesão, então o tratamento da NCC precisa ser muito individualizado.”
De acordo com o guia, alguns grupos demandam atenção especial. Na população pediátrica, a doença tende a ser mais benigna, mas casos múltiplos apresentam maior risco de epilepsia recorrente. No caso de gestantes, alterações imunológicas da gravidez podem alterar o curso da doença, portanto o tratamento deve equilibrar risco materno e fetal.
Pistas biológicas
Biomarcadores são pistas biológicas que ajudam os médicos a avaliar a presença da doença. No caso da NCC, eles indicam se a infecção está ativa, o nível da resposta inflamatória do organismo e o risco de complicações. Eles também são úteis para decidir a intensidade do tratamento (com vermífugo ou apenas controle sintomático) e monitorar a resposta: se o biomarcador cai, significa que o tratamento está funcionando. “Uma característica do cisto quando ele está no parênquima cerebral é uma invaginação da cabeça da larva, chamada escólex”, exemplifica Tissiana.
Pacientes sintomáticos costumam ter altos níveis de citocinas inflamatórias, enquanto pacientes assintomáticos têm maior concentração de moléculas que “freiam” a inflamação. A Metaloproteinase-9, por exemplo, é uma enzima ligada a processos inflamatórios e à quebra da barreira hematoencefálica, e estudos investigam se ela pode sinalizar maior risco de edema e crises epilépticas em lesões calcificadas.
Ainda existem marcadores parasitários: antígenos circulantes da T. solium no soro, urina ou liquor podem indicar infecção ativa. Segundo Pardini, o avanço nesse conhecimento é crucial para personalizar as recomendações na prática clínica, em vez de adotar um protocolo único.
Prevenção e cuidados
Além de construir um guia, o artigo reflete sobre mudanças estruturais necessárias para o controle da doença. Há uma escassez de ensaios clínicos robustos com pacientes, e muitos protocolos de intervenção se baseiam em estudos pequenos ou consenso de especialistas. “É uma doença que ficou estacionada na literatura”, comenta Tissiana.
A vulnerabilidade socioeconômica das populações mais afetadas também é uma barreira para ações efetivas, pois o ciclo da contaminação se perpetua em regiões com condições de higiene precárias.
“Muitas vezes, as pessoas ficam sem diagnóstico e precisam de tratamentos prolongados, e localidades endêmicas não têm como custear esses tratamentos” – Thales Pardini
Para Tissiana, a pesquisa não propõe apenas mudanças no cuidado individual, mas resoluções em saúde pública que reduzam a proliferação da T. solium. O controle da transmissão pode ser otimizado com a vacinação de suínos, cuidados veterinários como o uso de oxfendazol (vermífugo) e melhorias em saneamento e tratamento da água.

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