O colchão está no piso da sala cercado de travesseiros. Mas eles
não representam mais um obstáculo para a pequena Anny Bortoli Fischer, 8
anos. A menina tem ultrapassado limites jamais imaginados pela família.
“Esses dias fui buscá-la debaixo do sofá”, relembra a mãe, Katiele
Fischer, 35, aos risos. A menina redescobriu o mundo. Sons, o volume da
voz e sorrisos. Uma infância tardia que voltou a ganhar tons de alegria e
tranquilidade após o uso do canabidiol (CBD), uma das substâncias
derivadas da maconha. Em novembro, completou três anos desde que Anny
tomou a primeira dose e a vida de toda a família começou a mudar.
A pequena sofre de um problema genético raro. Antes do início do
tratamento com o canabidiol, tinha, em média, 60 convulsões por semana.
As crises eram provocadas por um tipo de epilepsia grave, causada pela
síndrome CDKL5. “Como vou explicar o que sinto quando tenho de acordar
meia-noite para pedir que ela diminua o volume dos sons? Como vou
explicar o que sinto quando vou acordá-la e ela se espreguiça? Isso é
tudo para mim, são as coisas mais lindas”, afirma a mãe. Encontrar
palavras para descrever detalhes tão comuns e simplórios parece
besteira, mas enchem de lágrimas os olhos de Katiele e do pai, Norberto
Fischer, 47. Aos poucos, a filha mais nova do casal tem desvendado um
universo próprio. As convulsões saíram de cena. No lugar, entraram as
gargalhadas repentinas, as birras para escovar os dentes e,
principalmente, os olhares atentos e curiosos. “Não sabemos o que ela
entende, mas que ela entende o que falamos é certo. Tem reações”,
comenta a mãe.
Para quem viu Anny há dois anos ou mais, é inevitável se surpreender.
Mesmo cansada depois da fisioterapia, quando os pais abrem a porta do
carro e começam as brincadeiras, ela esbanja sorrisos. Como as crianças
na idade dela, faltam alguns dentes no riso da menina, mas sobra
espontaneidade. No colchão no piso da sala, como uma bailarina, joga as
pernas de um lado para o outro e, quando ninguém está olhando, levanta o
tronco sozinha. “Sem vergonha você, Anny. Na hora da foto você não faz
isso”, brinca Katiele. A boneca de pano, como pais e avós costumavam
descrevê-la por conta da falta de movimentos próprios, ganhou vida e
cresceu. “As minhas costas que o digam”, complementa a mãe.
Com convulsões esporádicas e menos intensas, o clima na casa dos Fischer
é outro. As preocupações e os medos ainda existem, mas já não guiam a
vida da família. Uma atmosfera de descontração e felicidade contagia
quem entra pelo portão branco da residência no Setor Habitacional
Taquari. Dias de sol ou chuva são sempre uma oportunidade de festa e
bagunça, e Anny adora uma folia. Deitada na rede, na varanda de casa,
ela vibra com os respingos da água. “Dentro dos limites impostos pela
síndrome, ela está muito bem”, avalia Katiele. “Está mais presente no
mundo e percebendo o mundo.”
Diante da melhora da pequena Anny, nem as fronteiras geográficas são
impensáveis. Em outubro, a família viajou aos Estados Unidos para
conhecer o casal que tornou as mudanças viáveis: Penny e Dustin Howard.
Eles são os pais de Harper, uma menina de 5 anos que tinha a mesma
síndrome de Anny. Foi por uma publicação de Dustin nas redes sociais que
Katiele descobriu o CBD e seus benefícios. Infelizmente, a criança
americana morreu em janeiro deste ano nos braços dos pais com uma
infecção respiratória. “O encontro foi emocionante. Não conseguia parar
de chorar”, relembra Katiele. Os assuntos, as experiências, os
questionamentos e as alegrias daquelas duas famílias, mesmo distantes
fisicamente, eram similares. Para o jornal norte-americano Dallas News,
que registrou o momento, era como se a casa dos Howards estivesse em
festa como na véspera da noite de Natal.
Fonte: Correio Braziliense
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