Embora ainda exista um estigma em relação a seu uso, mesmo entre os profissionais da área de saúde, o canabidiol
vem conquistando seu espaço como alternativa no tratamento de uma série
de doenças. Um dos pioneiros dessa prática é o neuropediatra mexicano Saúl Garza Morales.
Ele explica que a maioria dos profissionais de saúde que ainda parece
ser refratária a essa utilização mostra desconhecimento sobre os
derivados da planta e, especialmente, em relação aos compostos que
realmente têm efeitos psicotrópicos.
Você é pioneiro no uso do canabidiol no México. Por que
defende o uso desse medicamento derivado da Cannabis sativa,
popularmente conhecida como maconha?
Morales: A experiência popular com o fumo da maconha
e com diversos tipos de infusões é milenar, em especial no uso para
tratamento de dor e de convulsões. Além disso, o conhecimento recente
sobre a neuroquímica cerebral e os efeitos de derivados da planta nos
receptores do sistema nervoso central nos permite antecipar potenciais
usos benéficos do canabidiol em doenças específicas, não apenas neurológicas, mas também imunológicas, inflamatórias e neoplásticas.
Quais são os mitos e verdades que envolvem esse medicamento,
uma vez que seu uso está cercado de polêmicas e, inclusive, proibições?
Morales: Um mito muito generalizado é o de que todos os derivados de maconha
são drogas potencialmente viciantes e que causam danos à saúde, o que
está longe da verdade, já que existem mais de 400 derivados químicos
extraídos da planta, e cada um deles tem suas próprias características
químicas. Pelo menos quatro desses compostos (entre eles o canabidiol) não têm efeito psicotrópico nem apresentam potencial de dependência,
portanto são vendidos sob a categoria de “suplementos alimentares” sem
restrição alguma no México, nos Estados Unidos e em muitos países das
Américas.
Se é evidente que o uso do canabidiol não causa efeitos
psicotrópicos, por que há tanta resistência, inclusive dentro do
universo dos profissionais de saúde?
Morales: Grande parte da resistência dos profissionais de saúde a respeito do uso do canabidiol está relacionada ao desconhecimento sobre os derivados
da planta e, em especial, sobre os compostos que realmente têm efeitos
psicotrópicos. Na minha prática clínica e em conferências com
profissionais de várias partes da América Latina, confundem-se os
derivados altamente purificados da planta (como o canabidiol) com óleos
extraídos da forma artesanal diretamente de plantas comumente usadas
para uso recreativo, o que explica que haja muitas dúvidas sobre seus
potenciais efeitos medicinais. Só quando explicamos
como funciona o processo de extração de óleos de plantas geneticamente
projetadas para produzir esses compostos, bem como a complexidade de sua
elaboração e purificação, é que os profissionais compreendem os
potenciais benefícios de substâncias como o canabidiol.
Quais os benefícios práticos de sua utilização?
Morales: Atualmente, existe um consenso internacional no reconhecimento dos benefícios do canabidiol
no controle de convulsões epilépticas em crianças que sofrem de doenças
que não responderam a tratamentos convencionais, como é o caso da
síndrome de Lennox-Gastaut e da síndrome de Dravet. Reconhece-se também a
eficácia do uso contínuo de compostos com diversas combinações de
canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) para o tratamento de dor
crônica, em pacientes com esclerose múltipla e neuropatia diabética, por
exemplo. No entanto, muitas novas linhas de pesquisa se abrem todos os
dias, como o potencial benefício sobre doenças que afetam a memória (Alzheimer e outras demências), distúrbios do movimento (mal de Parkinson
e síndrome de Tourette). Em nosso grupo de estudo, estamos testando os
benefícios que podemos obter em crianças com transtorno do espectro
autista.
Fonte: Psique
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