“Imagine que você está em um trem e, quando chega ao fim da linha,
não há amortecedores. O trem não pode parar e fica desgovernado. Isso é o
que meu cérebro estava fazendo.”
Sarah Pamment tem epilepsia. A
condição cria explosões de atividade elétrica em seu cérebro, que se
manifestam de várias maneiras – Sarah para de repente enquanto caminha e
não consegue se mover, ou experimenta uma sensação desorientadora, como
se estivesse em um escorregador.
Ela teria esses e outros
sintomas sete vezes ao dia. Depois de cada ataque, ela tentaria escrever
o máximo possível de informações, na esperança de encontrar um padrão
ou causa. No entanto, um dos efeitos colaterais da condição de Sarah é
uma “má memória de curto prazo”, e ser capaz de lembrar detalhes sobre
possíveis gatilhos, assim como os eventos, se torna difícil.
A
situação de Sarah não é incomum. Estima-se que 600 mil pessoas no Reino
Unido – uma em 131 – sofram de epilepsia, e cerca de 87 novos
diagnósticos são feitos todos os dias. A condição custa ao Serviço
Nacional de Saúde, direta ou indiretamente, 2 bilhões de libras
anualmente para tratar, com a epilepsia liderando em 3% de todas as
visitas de acidentes e emergências e um total de 1,3 milhão de dias no
hospital por ano.
Uma nova pesquisa da Public Health England (PHE) encontrou um aumento de 70% no número de mortes de pacientes com epilepsia entre 2001 e 2014.
A PHE disse que havia uma necessidade de melhorar o manejo clínico dos
pacientes e melhorar sua saúde combatendo o tabagismo, ingestão de
álcool e dieta fraca.
Sarah Pamment
A Microsoft
fez uma parceria com o setor, a academia e o NHS (Serviço Nacional de
Saúde do Reino Unido) para desenvolver uma solução que permita aos
pacientes monitorar e manter um registro de suas convulsões.
A epilepsia é mais comumente tratada com medicação – o valproato de sódio e a carbamazepina
são dois exemplos – mas a combinação e as doses desses medicamentos
prescritos variam dependendo de quem está tomando, e elas só funcionam
para cerca de 70% das pessoas. Eles também podem apresentar efeitos
colaterais como sonolência, dores de cabeça, tremores e perda de cabelo.
Outras opções para controlar a condição incluem cirurgia para remover
parte do cérebro ou colocar, no tórax do paciente, um pequeno
dispositivo que emite uma explosão de eletricidade.
“Pode levar meses ou mesmo anos para otimizar um plano de tratamento para um paciente”, disse o Dr. Rupert Page,
diretor de informação clínica e consultor neurologista do Hospital
Poole NHS Foundation Trust. “Saúde, qualidade de vida, hábitos de sono,
humor, álcool, drogas, problemas psiquiátricos ou psicológicos, e uma
série de outros fatores podem influenciar o risco de convulsão de um
paciente.”
Muitas pessoas com epilepsia também experimentam
depressão e isolamento, o que pode causar estresse e desencadear mais
convulsões.
“Pense em alguém que tenha muitas convulsões por dia; viagens se tornam realmente difíceis, até mesmo pegar um trem”, disse Ian Denley, diretor executivo da empresa de saúde digital Shearwater Systems.
“Se alguém com epilepsia tiver convulsão, para ele é normal; eles
voltam depois de alguns minutos e só querem chegar ao local de destino.
Mas, se você estiver em um trem, os provedores de transporte público
chamarão uma ambulância, que o levará ao hospital mais próximo. Uma
simples jornada de trem, de repente, termina em um hospital, a
quilômetros de onde a pessoa mora.”
“Há um grande impacto no
cotidiano. Em uma apresentação de que participei, um membro da plateia
veio até mim e disse: ‘Quando eu venho para o trabalho, minha esposa,
que tem epilepsia, fica sozinha por horas e fico muito preocupado’.”
O app myCareCentric Epilepsy
Compreender os sintomas específicos de um indivíduo para permitir a
ele gerenciar a epilepsia com autonomia alteraria a vida desse paciente,
além de eliminar a pressão sobre o sistema de saúde. Os médicos, é
claro, sempre ajudarão alguém que esteja doente, mas é melhor para todos
que essa pessoa não precise de tratamento hospitalar.
A Epilepsy Care Alliance
foi criada para fazer dessa ideia uma realidade. É um programa
administrado por um consórcio privado/público que oferece tecnologia
vestível aos pacientes com epilepsia, que a usam em torno do punho como
um relógio. O dispositivo grava dados, como padrões de sono, exercício,
frequência cardíaca e temperatura em intervalos regulares. Os médicos
usam essas informações com anotações sobre convulsões que os pacientes
inserem em um aplicativo e registros médicos para criar uma imagem da
condição de um indivíduo.
“Ganhamos a capacidade de detectar
quando alguém teve um ataque, e algumas pessoas podem até não saber que
tiveram um”, acrescentou Denley. “Esses dados foram enviados para
equipes clínicas em hospitais, que contataram o paciente e disseram:
‘Acreditamos que você teve uma convulsão, pode fornecer mais informações
no aplicativo?’ Como resultado, captamos mais informações sobre a crise
em si, como o paciente está se sentindo, como são seus padrões de sono e
quaisquer complicações. É um conjunto de dados muito mais rico.”
Todo o projeto foi cofinanciado pela Innovate UK, a agência de inovações do Reino Unido, e é executado no Azure,
a plataforma de nuvem da Microsoft, que tem segurança e agilidade para
lidar com grandes quantidades de dados de pacientes potencialmente
sensíveis.
O sistema tem o potencial de “aprender” a classificar
as convulsões quando elas ocorrerem e alertar os médicos e cuidadores. O
paciente pode, então, ser consultado remotamente e seus medicamentos
prescritos e recomendações de estilo de vida podem ser modificados em
tempo real.
O consórcio – o Poole Hospital NHS Foundation Trust, a
Universidade de Kent, a Shearwater Systems e a System C & Graphnet
Care Alliance – esperam quebrar o padrão de levar pacientes para a
emergência, permanecendo no hospital e vendo seus médicos e agentes
comunitários de saúde após serem dispensados, antes que tenham outro
episódio e o ciclo recomece.
Era uma rotina familiar para Sarah Pamment. Ela optou por uma
cirurgia no cérebro, mas não conseguiu remover completamente os sintomas
que sentia.
“Eu sabia que as coisas não estavam indo como
deveriam e fui encaminhada ao dr. Rupert Page. Fizemos alguns testes e,
com certeza, a epilepsia começara a reaparecer”, disse ela.
Sarah
começou a ver Page uma vez por ano – “Eu não entraria em contato com as
enfermeiras porque sempre acho que há alguém pior do que eu” – e,
enquanto isso, mantinha um registro da epilepsia em seu telefone. Ela
foi convidada a participar do programa myCareCentric Epilepsy, e se
tornou uma das várias pessoas a ver uma melhora em sua condição. “Passei
de duas ou três [convulsões] por semana, no começo do piloto, para uma
ou duas a cada três meses, então, definitivamente faz diferença.”
Desde
que o myCareCentric Epilepsy foi lançado em 2016, os pacientes
envolvidos no programa tiveram uma redução de três semanas no tempo de
notificação das crises, um corte de 80% no tempo que os médicos levam
para responder aos indivíduos e 30% menos internações hospitalares.
“Pode levar meses ou mesmo anos para otimizar um plano de tratamento para um paciente.”
A
equipe também incorporou um sistema que informa automaticamente a um
time de atendimento quando seu paciente está no hospital. Se alguém com
epilepsia está inconsciente e é levado à emergência, os médicos podem
decidir que precisam de cirurgia, por isso recomendariam nada por via
oral. Nessas circunstâncias, o paciente fica incapaz de tomar sua
medicação habitual, o que poderia matá-lo. Com o myCareCentric, um
alerta é enviado para a equipe de atendimento, que pode intervir e
impedir que isso aconteça.
O Dr. Jon Shaw
diretor de Estratégia Clínica da System C & Graphnet Care Alliance,
disse: “O que é realmente empolgante é que é um projeto único, o
primeiro da sua categoria, que combina vestíveis inteligentes,
aplicativos voltados para o paciente e tecnologia de comunicação
empresarial, mensagens para a equipe de atendimento em tempo real.
Colocar dados em ambientes seguros do Azure nos dá grande escala e
capacidade de alavancar os recursos de aprendizado de máquina e
inteligência artificial como serviços e, finalmente, melhorar os
resultados dos pacientes.”
Em resposta ao sucesso do programa, a
Microsoft e o consórcio organizaram um hack na Universidade de Kent,
organizado pelo professor assistente Christos Efrastratiou e sua equipe,
para ver quais percepções eles poderiam obter com os dados capturados
pelo programa, e se havia algo que poderia ser feito para melhorar os
resultados dos pacientes.
Especificamente, eles queriam ver se o
programa poderia incluir dados de pacientes previamente inacessíveis em
laudos clínicos, usar novos pontos de dados dos dispositivos vestíveis e
encorajar as pessoas a autorrelatar mais informações, como humor e
adesão aos medicamentos.
“O consórcio se reuniu três meses antes
do hack e analisou quais informações queríamos reunir”, disse o
evangelista técnico da Microsoft, Dave Baker.
“E se trocássemos todos os sensores do dispositivo vestível e
coletássemos dados contínuos? Modificamos o aplicativo para obter
evidências verbais. Seria possível analisar informações em documentos de
pacientes mantidos por médicos, para podermos ter uma visão mais ampla
de sua condição?”
A equipe encontrou uma ligação entre o sono ruim
e as convulsões, o que lhes permitiu prever com maior precisão os
eventos de epilepsia nos dias subsequentes. Eles também perceberam que a
adição de mais dados, até informações aparentemente inócuas, melhorou a
precisão das análises.
“Percebemos que houve impacto no sono
depois que alguém teve uma convulsão. Por isso, se alguém teve uma noite
ruim, poderíamos procurar uma convulsão no dia anterior”, acrescentou
Baker. “Também descobrimos que os pulsos dos pacientes giravam 90 graus
durante uma convulsão, porque quando os membros tremiam e ficavam
rígidos, os músculos se contraíam e o pulso girava naturalmente.”
Todas as informações coletadas pelo consórcio foram úteis para ajudar os médicos a entender o que pode desencadear uma crise.
“Essa
abordagem tem o potencial de revolucionar a gestão da epilepsia,
otimizando o uso de tratamentos atualmente disponíveis”, disse Page.
“Simultaneamente, as percepções poderosas adquiridas com a consciência
muito mais profunda da quantidade de estilos de vida e outros fatores
que afetam a frequência das convulsões podem abrir áreas totalmente
novas de pesquisa ou tratamento. O suporte oportuno e especializado que
pode ser fornecido por meio dessa solução ajuda os pacientes a
administrar sua própria condição e restaura, para eles, parte do
controle que o diagnóstico de epilepsia muitas vezes tira.”
A equipe espera que seja mais um passo na direção de melhores tratamentos.
“Gostaríamos de envolver as empresas farmacêuticas. A eficácia das
drogas não melhorou nos últimos 30 anos; deve haver dados que possamos
usar para ter uma chance maior de ajudar as empresas a melhorar seus
produtos”, acrescentou Denley.
“Rupert [Page] acredita que, se
você acertar a medicação de um paciente, pode ajudá-lo a ficar livre de
convulsões. Esse é o nosso objetivo também”, disse Denley. “Rupert tem 6
mil pacientes em Dorset e 2 mil que não têm convulsões; ele está
apontando para 4 mil e isso seria um grande impacto.”
Embora seja
um marco incrível, a equipe já está procurando levar a solução a mais
pacientes – e até mesmo a pessoas com outras condições além da
epilepsia.
“Gostaríamos de estender isso a novos modelos de
atendimento para outras condições”, acrescentou Denley. “A epilepsia é
apenas uma pequena porcentagem da neurologia, que por sua vez é apenas
uma porcentagem de todas as especialidades disponíveis em hospitais.”
Se
a solução fosse lançada nacionalmente, poderia poupar ao NHS mais de
250 milhões de libras esterlinas. Estendê-la a outras condições e a
novos modelos de atendimento poderia adicionar bilhões a essas
economias.
Por enquanto, Sarah está feliz que o myCareCentric
permita que ela seja tratada como pessoa, em vez de ser identificada por
sua condição.
“O que é realmente reconfortante é que, a partir do
que você coloca no aplicativo, haverá um membro qualificado da equipe
lendo na outra ponta”, disse ela. “Eles entrarão em contato com você se
tiverem alguma dúvida sobre o que você colocou. Por causa disso, eles
podem mudar sua medicação ou verificar se você está bem, o que é bom.”
“Não se trata de cobrir apenas o lado médico da questão, é dar apoio à pessoa inteiramente.”
Fonte: Andrew Trotman é líder de notícias na Microsoft UK.
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