quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Canabidiol demonstra eficiência no tratamento da epilepsia refratária


 Uma ampla pesquisa, do programa de doutorado da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), baseada em  meta-análise com seis ensaios clínicos internacionais envolvendo o uso de canabidiol (CBD) em pacientes com epilepsia refratária — aquela que não responde a tratamentos convencionais — mostrou a eficácia da medicação a partir de doses que variam de 2,5mg a 20mg. Pelos resultados, o CBD reduziu, em média, as crises convulsivas em 41%, enquanto o grupo placebo apresentou uma queda de apenas 18% — uma eficácia 127% maior.

O estudo reforça o potencial terapêutico do canabidiol no controle da epilepsia de difícil tratamento, com evidências consistentes de melhora na qualidade de vida dos pacientes. A análise contribui para consolidar o uso do CBD como uma alternativa viável e segura dentro da prática clínica, sobretudo em quadros de alta complexidade.

De acordo com o estudo, 20% dos casos de epilepsia são refratários, inclusive, apresentando pelo menos duas crises de convulsão por mês, apesar da dupla medicação convencional. Para os experimentos, a maioria recebeu doses de 2,5mg a 5mg diárias por 12 a 14 semanas, conforme cada caso. Houve, ainda, casos em que o paciente que usou 20mg, apresentando melhora expressiva no quadro de saúde. Ao final, a dose de todos foi reduzida em 10% até a suspensão total do uso do canabidiol.

Bruno Fernandes Santos, pesquisador com doutorado na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), um dos autores do estudo, fez um artigo de revisão sistemática da literatura. A pesquisa utilizou as bases de dados do Google Scholar, Scielo e PubMed/Medline pelas palavras-chave Canabidiol, Epilepsy e Drug Resistant Epilepsy. Após a aplicação dos critérios de exclusão, seis estudos foram elegíveis para avaliação de texto completo. Ele publicou na revista Acta Epileptologica.

Em comparação com a redução média de 18,1% nos grupos placebo, em que foram dadas baixas doses de medicamentos convencionais, a resposta teve uma taxa 127% maior nos pacientes que receberam a intervenção canábica. "O canabidiol trouxe um benefício adicional, reduzindo significativamente o número de crises nos pacientes refratários, uma melhora na qualidade de vida e outros benefícios secundários", disse o cientista.

Ação

Santos lembrou que a epilepsia tem várias causas, desde algo que está irritando o cérebro, como um tumor, à malformação, à alteração degenerativa, por exemplo. O pesquisador explica como ocorre a convulsão. "Convulsão é o fenômeno motor, é a pessoa ter aqueles abalos musculares durante a crise epiléptica, mas nem toda a crise epiléptica é convulsão." Para controlar essa anormalidades específicas da crise epiléptica, ele disse que "o canabidiol tem um mecanismo de ação mediado pelo sistema endocanabinoide, que tenta compensar a hiperexcitabilidade aumentando a produção de endocanabinoides".

Identificado em 1992, o sistema endocanabinoide é formado por neurotransmissores produzidos pelo organismo humano — os chamados endocanabinoides — e de seus receptores, como os CB1 e CB2, presentes em diversas partes do corpo, incluindo o cérebro e o sistema nervoso central e periférico. Ele desempenha um papel importante na regulação de processos como dor, inflamação, apetite, sono e humor. Estudos recentes destacam a capacidade de reduzir a sensação de dor, influenciar a memória e proteger o sistema nervoso em alguns casos.

"O sítio de ligação (do sistema endocanabinoide) desse ativo específico (canabidiol) vai ter várias ações que acabam controlando as crises. O ativo aumenta o limite da pessoa a convulsão", ressaltou o pesquisador. "É uma lógica semelhante a das medicações comuns, só que por uma outra via. As medicações clássicas vão agir no canal de sódio da membrana celular, por exemplo, bloqueando esse canal. A célula fica menos excitável com menor capacidade de gerar uma crise." A comunidade científica estuda essa interação do CBD no sistema.

O médico reforça a importância deste estudo por "trazer a relevância e mostrar a evidência científica em cima do uso do canabidiol para epilepsia refratária, porque, quando fugimos da ciência, fica uma questão política baseada em achismos", destacou.

QUATRO PERGUNTAS PARA...

JULIANA BOGADO, médica, referência em canabinologia, pós-graduação na área e membro da International Cannabinoid Research Society (ICRS)

Quais são os avanços desse estudo em comparação aos existentes?

O grande avanço deste estudo não foi a descoberta de algo totalmente novo, mas, sim, a consolidação de tudo o que sabíamos sobre o canabidiol. Ele reuniu os resultados de várias pesquisas de ponta e, por meio de uma meta-análise, conseguiu quantificar o quão eficaz o CBD realmente é. Para se ter uma ideia, os pacientes que usaram o CBD tiveram uma redução de 41% nas crises convulsivas, enquanto o grupo que tomou placebo teve apenas 18% de redução. Isso mostra uma diferença enorme e nos dá uma base sólida para defender a eficácia desse tratamento não só para os casos de epilepsia refratária como também outras condições clínicas.

Como o governo federal pode cooperar nesses tratamentos?

Essa é uma questão crucial. O estudo mostra que o CBD é uma ferramenta poderosa, mas no Brasil, o acesso ainda é burocrático. A principal forma de cooperação do governo seria conseguir fornecer o canabidiol de forma gratuita, deixando de ser um medicamento restrito a decisões judiciais ou programas especiais. Além disso, seria fundamental incentivar a pesquisa nacional e a educação médica na aérea, além e facilitar a produção e a distribuição de produtos derivados do cânhamo apenas. Hoje, a grande maioria dos produtos é importado (ou a sua matéria-prima) o que o torna caro e de difícil acesso para a maioria das pessoas. Outra questão importante relacionada é a qualidade e a origem desses produtos. O Estado/União precisa regulamentar de forma bem restrita para que não sejam produzidos e/ou distribuídos produtos de má qualidade pois podemos ter resultados devastadores. Um exemplo disso são produtos produzidos por associações de forma artesanal, trazendo um grande risco para a saúde.

Quais as recomendações que a senhora dá para uma família de um paciente que vem de tratamentos tradicionais para epilepsia?

Para uma família nessa situação, a primeira coisa que eu diria é para não perderem tempo. A pesquisa reforça que o CBD é uma opção terapêutica real, para os casos em que os tratamentos tradicionais não estão funcionando, mas também casos em que o paciente é polimedicado e sofre de diversos efeitos colaterais. Esse paciente vai se beneficiar e muito dessa terapia visto que existe a possibilidade do desmame dessas medicações. Minha recomendação principal seria procurar um profissional qualificado, que entenda de canabinologia, para avaliar o caso. É muito importante lembrar que, como qualquer medicamento, o CBD pode ter efeitos colaterais e interações medicamentosas. Por isso, um acompanhamento médico é indispensável para monitorar a dose e a evolução do paciente, principalmente a função hepática.

É possível pensar a curto prazo na autorização da Anvisa para o uso do canabidiol para epilepsia refratária?

Acredito que, com a força de estudos como esse, a discussão será acelerada, mas a liberação total e a inclusão em protocolos públicos de forma ampla e padronizada ainda não devem acontecer a curto prazo. É algo que a sociedade, a comunidade médica e o governo precisam continuar trabalhando juntos. (RG)

Só com autorização específica

Atualmente, o governo federal, por intermédio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autoriza o uso de canabidiol em casos específicos para fins medicinais. É necessário comprovar a utilização do medicamento e, conforme o Conselho Federal de Medicina (CFM), apenas profissionais habilitados têm autorização de prescrever. 

A prescrição do canabidiol é utilizada para o tratamento de epilepsia refratária, doenças raras, que causam convulsões ou espasmos severos, além de transtornos neurológicos, como Parkinson. A importação de produtos à base de canabidiol só é permitida diante prescrição médica e cadastro na Anvisa. 

Porém, por enquanto, não há a disponibilidade de oferta de canabidiol pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O fornecimento da medicação depende de importação e sempre diante de autorização da Anvisa e por intermédio de prescrição médica. (RG)

Síndrome crônica

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 2% da população mundial apresenta quadros de epilepsia, considerada uma síndrome neurológica crônica. É caracterizada por pelo menos duas crises epilépticas espontâneas, que podem ser classificadas como focais ou generalizadas, dependendo das regiões cerebrais afetadas. O tratamento da doença é complexo e pode envolver cirurgia ou medicação. Um dos compostos mais estudados para casos em que não há resposta positiva com outros fármacos anticonvulsivantes, os chamados casos farmacorresistentes, é o canabidiol (CBD), presente na planta Cannabis sativa.



Fonte: Correio Braziliense

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