quinta-feira, 26 de novembro de 2015

"Vida nova", dizem pais de menina que há 2 anos usa o canabidiol

A menina Anny Fischer, de 7 anos, foi diagnosticada há dois anos com uma síndrome rara, que chegou a causar até 80 convulsões por semana. As crises duravam até dez minutos. Por conta dos ataques, ela desaprendeu a andar, não conseguia comer e passava os dias deitada na cama. Nenhum medicamento disponível ou a combinação entre eles ajudou a reduzir as crises. Foi então que os pais decidiram se arriscar e importar ilegalmente uma substância derivada da maconha, o canabidiol (CDB). O composto zerou as convulsões por nove meses e a decisão mudou a vida dos Fischer e de centenas de famílias do país.
Na semana em que completam dois anos desde que a menina começou a usar a substância, os pais dela, Katiele e Norberto Fischer, comemoram a nova desição da justiça federal que determinhou a Agência Nacional de Vigilança Sanitária (Anvisa) que retire o Tetrahidrocannabinol (THC), composto também presente na maconha, da lista de substâncias proibidas no Brasil. O TCH é usado em tratamento de doenças como epilepsia, mal de Parkinson e esclerose múltipla.
A compra do CDB e do TCH era ilegal porque os compostos são encontrados em uma droga ilícita. Ao contrário do entorpecente, as substâncias não alteram sentidos nem provocam dependência. Norberto Fischer diz que no início de novembro o Brasil atingiu a marca de mil autorizações individuais concedidas para importação excepcional de produtos à base dos dois produtos derivados.
"Foi a única coisa que deu resultado. E resultado que digo não é que a Anny vai se levantar e sair andando. Não é isso. É qualidade de vida. Os pais de crianças como a Anny buscam coisas simples. Que nossos filhos fiquem acordados ja é uma grande diferença. Queremos que eles consigam comer", diz a mãe, Katiele. "Quando falo que ela está melhor é porque consegue segurar a cabeça, saber que a mão vai na boca, cruzar a perna quando quer, fazer barulho e dar risadinha."

Síndrome

Katiele conta que percebeu algo diferente na filha quando ela tinha em torno de 45 dias. "Ela deu uma tremidinha e revirou o olhinho. Parecia uma convulsão", diz. "Pensei que não era nada, o tipo de coisa que 'só acontece com os outros'. Aí ela fez de novo e não deu para negar."
Por ser uma síndrome muito rara, os médicos levaram quatro anos para chegar ao dianóstico correto: CDKL5 - a família conseguiu localizar nove casos em todo o país, diz a mãe. "Nessa época, ela veio se desenvolvendo muito lentamente. Chegou a andar, mas tinha um espectro autista muito forte." Todo o desenvolvimento de Anny estagnou quando ela completou 4 anos e as crises convulsivas se tornaram mais frequentes e intensas.
"Ela tinha de 60 a 80 convulsões por semana. Ficava até dez minutos convulsionando", diz ela. "Em semanas ruins, dava uma média de uma crise a cada duas horas. Em um período muito curto de tempo parou de andar. Uma semana depois, não estava mais sentando e nem se mexendo. Tinhamos que virar ela na cama."
A menina tem uma forma de epilepsia generalizada. Quando ultrapassava seis crises sequenciais, precisava ser levada ao hospital para ser monitorada. "Não dispara um ladinho do cérebro. Dispara em qualquer ponto, é um risco iminente porque o cérebro entra em colapso, são descargas anormais", diz a mãe. "Era sempre uma tensão em casa. Antes, não conseguia atravessar o Eixão porque tinha parar no meio do caminho para acudir a Anny."

Katiele diz que se sentia desesperada até que leu na internet sobre um pai americano que usou o canabidiol para controlar as convulsões da filha. Foi então que decidiu tentar arriscar. "No dia 11 de novembro [de 2013], demos a primeira dose para a Anny. Era mais uma cartada, em meio ao desespero. Nosso medo era de que um dia ela não aguentasse a crise e... Poderia morrer, ter uma crise que causasse uma parada cardiorreespiratória."
Os primeiros resultados apareceram após nove semanas de uso. "Ela zerou as convulsões com uma dose do tamanho de um grão de arroz", diz. Os ataques foram interrompidos completamente durante nove meses. "Ela ainda tem algumas crises? Tem. Mas nada se compara ao que ela tinha antes. A qualquer momento, ela pode ter uma crise aqui. Mas com uma intensidade muito menor, e em quantidade muito menor."

Importação


O canadibiol, vendido como pasta, era enviado dos Estados Unidos dentro de uma seringa, camuflado em uma pequena caixa, como se fosse um presente. Depois de quatro meses, a alfândega detectou a substância e mandou para a Anvisa, que questionou a família.

Os Fischer então se mobilizaram para importar o medicamento de maneira legal e procuraram um advogado. Relataram o caso, apresentaram planilhas mostrando a redução das convulsões e levantaram informações sobre o canabidiol.
A família produziu um documentário de cinco minutos falando sobre a doença e sobre a substância, o que chamou a atenção da mídia. "Ficamos tão encantados por conta da melhora dela, que não dava para ficarmos quietos. Aí surgiu a proposta de fazer uma matéria [jornalística] e achamos que era a polícia que queria investigar", afirma Katiele.
A decisão favorável da Justiça saiu poucos dias depois. "Foi tudo muito rápido. Aí acabou gerando uma demanda social. Outros pais também ficaram sabendo e o telefone aqui de casa não parava de tocar. Foi uma avalanche em nossas vidas, que viraram de cabeça para baixo", diz a mãe.
Katiele afirma que a Anvisa reclassificou a substância após a decisão da Justiça e retirou o canabidiol da lista de substâncias proibidas, transferindo para a de medicamentos controlados. Meses depois, a Receita Federal simplificou o processo de importação e retirou os impostos cobrados.
"Agora, qualquer pessoa que precisa usar o remédio da maconha à base de canabidiol faz um processo normal, como se fosse comprar qualquer medicamento que não tem registro no Brasil", diz. A anvisa ainda precisa autorizar a importação da substância.

Entraves

Cada seringa custa entre U$ 200 e U$ 500. O tempo de duração depende da pessoa e da dosagem. A família afirma que muitos pais recorrem ao Ministério Público para que o Estado custeie o medicamento. "É mais barato pagar canabidiol do que pagar UTI para essas crianças. Os relatos são impressionantes."
Os Fischer afirmam que o processo de importação pode melhorar. A retirada do teto de U$ 3 mil por importação, o que impede que a compra seja feita em grande quantidade, é um dos pontos relatados pelo casal.



Katiele diz que o processo de importação também se tornou mais simplificado na alfândega, desde a liberação. Antes, era preciso ir até São Paulo ou pagar despachantes para que o produto passasse pelo desembaraço aduaneiro. A Receita Federal reviu a portaria que tratava do assunto. Atualmente, a própria empresa importadora se encarrega de fazer o medicamento chegar até as famílias.
A família recebe ligações diárias de pessoas de países como Chile, Síria e Uruguai pedindo ajuda e informações. Katiele se emociona quando lê o recado que ela recebeu.
"Uma mãe nos mandou uma mensagem dizendo que a filha dela, de 38 anos de idade, pela primeira vez tinha ficado uma semana sem fazer xixi na fralda", diz. "Outra mãe nos contou que pela primeira vez tinha ido ao shopping e ao parque passear, sem ter que levar o tubo de oxigênio."
Anny toma a substância três vezes ao dia. "Quando a gente fala qualidade de vida, é qualidade de vida mesmo. Não só dela, mas da família inteira", diz. A família espera que a criança retorne à escola especial que ela frequentava, a partir de 2016.
"O que queria enfatizar é que ela não está curada, a síndrome não tem cura. O que ela tem hoje de diferente é qualidade de vida muito melhor do que tinha antes, fica acordada, interage, quando alguém chega ela olha, ela sorri, e isso não tem preço", diz a mãe.
"O prognóstico da síndrome não é bom porque é uma doença degenerativa. O grande passo é realmente a qualidade de vida. Lógico que a gente sempre tem esperança que ela melhore, volte a andar. É meu sonho."

Fonte: G1







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