Aterrorizada, Shena Pearson não conseguia se mover enquanto assistia
a apresentação de power-point. Esse era seu primeiro encontro em uma
fundação para epiléticos, em busca de ajuda para seu filho de 12 anos,
Trysten, quando um neurologista exibiu um slide sobre uma coisa chamada
Sudep.
Aquela era a sigla em inglês para a morte repentina
inesperada em epilepsia. O neurologista que atendia seu filho jamais
havia falado a respeito.
"Ai meu Deus, meu filho corre um risco sério", pensou Shena.
A morte repentina inesperada em epilepsia é um fenômeno pouco conhecido
e raramente comentado, mas agora, depois de uma série de protestos, o
governo norte-americano deu início a um programa para compreender melhor
o problema. Ainda assim, uma pergunta persiste: em que momento o
paciente deve ser alertado sobre o problema?
De certa forma, o
fato de muitos neurologistas não se sentirem confortáveis para mencionar
a morte repentina para pacientes epiléticos tem relação com a época em
que era comum que médicos e familiares não contassem aos pacientes que
eles tinham câncer, algo que era assustador demais.
Entretanto,
atualmente, os pacientes são informados não apenas sobre o câncer, mas
também sobre outras doenças potencialmente sérias, como um aneurisma
cerebral inoperável que pode se romper a qualquer momento e ser fatal.
Portanto, o silêncio sobre o risco de morte em epilepsia parece ser uma
anomalia.
O Sudep funciona assim: uma pessoa com epilepsia –
convulsões provocadas por picos de eletricidade no cérebro – morre sem
causa aparente. Com frequência, o epilético vai se deitar e é encontrado
morto na manhã seguinte. Em alguns casos, existe evidência indireta de
uma convulsão, como urina nos lençóis, olhos vermelhos, ou a língua
mordida, o que leva a crer que prevenir ao máximo as convulsões com a
ajuda de medicamentos pode diminuir os riscos dos pacientes.
Mas ainda existem muitos mistérios em torno da doença.
Os neurologistas afirmam que a morte repentina inesperada em epilepsia é
a segunda causa neurológica de morte prematura, ficando atrás apenas
dos AVCs.
A Sudep mata em média 2.600 pessoas por ano nos EUA,
mas inúmeros profissionais acreditam que o número real deve ser maior –
cerca de uma em cada mil pessoas com epilepsia. Para quem não controla
as convulsões com medicamentos, o número pode chegar a uma em cada 150
pessoas.
Cerca de três milhões de norte-americanos e 50 milhões
de pessoas em todo o mundo têm epilepsia. Quase um terço dos
norte-americanos com epilepsia apresentam episódios de convulsão,
afirmou o Dr. Daniel Friedman, pesquisador da Universidade de Nova York.
Isso significa que cerca de um milhão de americanos correm risco de morte repentina.
O filho de Shena tinha ao menos 24 convulsões por ano, apesar dos
medicamentos. Ela não tinha coragem de lhe contar sobre o risco de morte
repentina. Contudo, ele descobriu sozinho três meses depois. O garoto
estava participando de um grupo de apoio a epiléticos perto de casa no
Condado de Galveston, no Texas, e ouviu algumas pessoas conversando a
respeito.
Shena e o filho não foram as únicas pessoas a
descobrir sobre a morte repentina inesperada em epilepsia por acidente.
Apesar de importantes organizações profissionais como a Sociedade
Americana de Epilepsia e importantes pesquisadores pedirem para que os
pacientes sejam plenamente informados, os neurologistas muitas vezes
evitam o tema.
O problema é que, ao menos por enquanto, as estimativas de risco são incertas e não a formas comprovadas de prevenir o problema
Um estudo nacional envolvendo neurologistas revelou que pouquíssimos
médicos falam aos pacientes com epilepsia sobre a morte repentina. Isso
levou o Dr. William Gaillard, diretor do programa de epilepsia do
Sistema Nacional de Saúde Pediátrica, a pesquisar os neuropediatras que
participam de seu programa. A maioria contou que não menciona nada às
famílias.
"Muitos dos meus colegas, incluindo eu mesmo, somos
criaturas paternalistas. Muita gente não fala a respeito, porque os
riscos são baixos e não há nada que possamos fazer para evitar o
problema. A decisão é tomada em nome dos pacientes", afirmou Gaillard em
uma entrevista.
Porém, Gaillard e outros profissionais acreditam que as famílias têm o direito de saber.
Além disso, afirmou o Dr. Orrin Devinsky, diretor do centro de
epilepsia do Centro Médico Langone, da NYU, que saber se o problema pode
incentivar os pacientes a trabalhar em parceria com os médicos para
controlar as convulsões, já que a morte pode ocorrer logo após um
episódio.
O Dr. Walter Koroshetz, diretor do Instituto Nacional
de Doenças Neurológicas e AVCs, enfrentou esse problema em sua própria
família. Em 1990, seu pai, que apresentou um caso tardio de epilepsia,
foi até a geladeira um dia para buscar algo para comer. Ele teve uma
convulsão, caiu e morreu.
Cinco anos antes, um tio da família do
pai morreu em decorrência da Sudep depois de também desenvolver uma
epilepsia tardia. Mas Koroshetz, que já era neurologista e sabia sobre a
morte repentina inesperada em epilepsia, nunca havia mencionado o
problema a seu pai.
"Eu achava que isso não iria ajudá-lo", afirmou Koroshetz.
Três anos depois, mais um dos irmãos do pai passou a ter convulsões.
Desta vez, contou Koroshetz, ele teve uma longa conversa sobre o risco
de morte repentina com o tio. Ele ainda está vivo e continua em boa
forma.
Koroshetz conta que não há muito o que os adultos possam
fazer para se proteger, a não ser tomar os medicamentos contra convulsão
religiosamente, já que o risco de morte repentina está diretamente
associado a episódios de convulsão.
Ainda assim, o fato é um
problema conhecido há bastante tempo; uma das primeiras descrições da
complicação foi escrita por George Washington, uma vez que sua enteada,
Patsy Custis, pode ter morrido disso no dia 19 de junho de 1773, aos 17
anos.
"Ela saiu da mesa de jantar por volta das quatro horas da
tarde com a saúde e o espírito tão bem quanto não via há algum tempo.
Logo em seguida, foi tomada por um de seus ataques e morreu dessa
maneira, em menos de dois minutos, sem dizer uma palavra, gemer ou dar
qualquer outro sinal. Não preciso dizer que esse choque repentino e
inesperado lançou minha pobre esposa às profundezas da miséria humana",
escreveu Washington.
Muitos neurologistas afirmam que não aprenderam sobre a Sudep na faculdade de medicina.
"Mesmo entre os neurologistas, o problema não era conhecido, divulgado e
discutido até bem recentemente", afirmou o Dr. Samden Lhatoo, professor
de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Case Western
Reserve.
Devinsky, de 59 anos, afirmou que "pessoas com formação
médica em ótimas instituições e que passaram pelo meu treinamento
jamais haviam abordado o problema".
Foi só quando o grupo
Cidadãos Unidos pela Pesquisa em Epilepsia, ou Cure, na sigla em inglês,
entrou em contato com Koroshetz para saber como caminhava a pesquisa
sobre morte repentina inesperada em epilepsia que o governo federal
entrou em ação. Agora, o Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e
AVCs deu início a um importante programa de pesquisa. Os pesquisadores
afirmam que, até o momento, tudo indica que a tempestade elétrica
cerebral que ocorre durante uma crise tônico-clônica – na qual a pessoa
fica inconsciente e convulsiona – pode levar o coração a parar de bater a o cérebro a deixar de funcionar em algumas pessoas.
Um dos objetivos da pesquisa é descobrir a verdadeira incidência do
fenômeno e estudar os cérebros de pacientes que tiveram morte repentina
inesperada em epilepsia. Mas não tem sido fácil.
Com frequência,
especialmente entre pacientes idosos, o legista atribui a morte a
problemas cardíacos, mesmo quando se sabe que a pessoa era epilética e
que não há indícios de problemas cardíacos na vítima, afirmou Devinsky.
O filho de John Popovich, John Paul, teve morte repentina inesperada em
decorrência da epilepsia. Calouro de 19 anos da Universidade da
Virgínia, ele havia voltado para casa para passar as festas de fim de
ano. Certa manhã, seu pai o encontrou morto de barriga para baixo na
cama. Ele teve apenas três convulsões ao longo da vida toda.
O
atestado de óbito não mencionava a morte repentina inesperada em
epilepsia, e Popovich e a família, que vivem no norte da Virgínia, nunca
tinham ouvido falar da Sudep até que um parente falou a respeito dela
semanas depois do funeral. Popovich não entendia porque os médicos não
falavam sobre isso:
"Como pai que perdeu um filho, posso dizer que a comunidade que á comunidade médica não está fazendo nenhum favor.
O relatório de toxicologia indicou que o garoto não havia tomado o
medicamento contra convulsões há pelo menos um dia – já que não havia
traços do remédio no corpo.
Se ele soubesse sobre o risco da morte repentina, nunca teria deixado de tomar o remédio, afirmou o pai.
Fonte:Uol Notícias Ciência e Saúde