quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Margarete Brito, a mãe que luta pelo acesso à maconha medicinal no Brasil

Quando descobriu que a filha Sofia tinha a Síndrome CDKL5Margarete Brito, 46, fez o que toda mãe faria: buscou os melhores tratamentos à disposição e, claro, medicou a menina conforme as recomendações médicas. Mas nada funcionou tão bem para o processo terapêutico da menina quanto o óleo extraído da cannabis sativa, uma planta com mais de 100 substâncias químicas que é totalmente descartada como remédio quando é chamada pelo nome popular: maconha. Depois de descobrir o poder da maconha, e é assim que ela chama, no tratamento da filha, Margarete buscou autorização judicial e foi a primeira mãe a conseguir plantar sem correr riscos de ser presa. Hoje, a advogada transformou a maconha em sua luta e tem um só sonho: legalizar a planta no Brasil.
Antes de Sofia chegar, Margarete só sabia do uso recreativo da maconha como cigarro, porque alguns amigos fumavam. A realidade em que estava inserida, então, ajudou a advogada a enxergar a planta como uma solução, nunca como tabu: "Quando eu descobri que maconha poderia ser o remédio, ao contrário de muitas mães, eu achei melhor. Pensei que seria melhor do que dar a ela os outros remédios todos que dava na época".
Geralmente quem vai preso é o preto, pobre, da favela. Eu sabia que não iria ser presa por isso, mas mesmo assim fazia questão de conseguir criar precedentes.
Hoje com nove anos, Sofia faz o tratamento com remédios tradicionais e com o oléo do canabidiol. Margarete explica que no caso da filha, a maconha auxilia devido ao alto poder terapêutico, age diretamente no cognitivo e ajuda também no controle parcial das convulsões: "É um conjunto terapêutico, e a cannabis faz parte". Ela rechaça a ideia de que a maconha só pode ser exaltada quando opera um "milagre" na vida de alguma criança.
"É uma substância com potencial terapêutico que tem que ser respeitada, mas ela é uma substância como várias outras: vai funcionar incrivelmente para umas, parcialmente para outras e para outras nem vai funcionar. Só por isso a gente deve lutar: não precisa ser milagroso para continuar lutando por isso. A pessoa que quer fazer essa opção terapêutica, ela tem esse direito independentemente de ser milagroso", afirma.
E a luta de Margarete começou quando decidiu entrar na Justiça para poder plantar em sua própria casa. O alto custo de importação do óleo e a burocracia foram os motores para a decisão, mas o principal efeito desse pedido era o precedente que seria criado naquele momento para outras famílias, com perfis diferentes da sua.
"É aquela velha história: geralmente quem vai preso é o preto, pobre, da favela. Não é o meu perfil, eu sabia que não iria ser presa por isso, mas mesmo assim fazia questão de conseguir criar precedentes. Foi muito legal porque conseguimos, com isso, ter hoje mais de 20 autorizações judiciais para cultivo no Brasil inteiro. A gente consegue mostrar que não está no caminho errado. Os juízes estão reconhecendo que é possível plantar, é possível fazer o próprio remédio", conta a advogada.
Não precisa ser milagroso para continuar lutando por isso.


Foi a partir desse momento que Margarete decidiu transformar a luta em sua profissão, abandonou o exercício da advocacia e hoje se dedica integralmente ao ativismo pela maconha, mesmo não conseguindo se remunerar. "Ver a transformação é o meu pagamento", afirma.
"Quando você ajuda uma pessoa e tem o retorno, que ela conseguiu o remédio, diminuiu as crises [convulsivas], voltou a comer ou ir à escola, não tem dinheiro que pague. A advocacia nunca me deu prazer e eu acho que todo mundo gosta de trabalhar com coisas que te dão prazer também. E isso me dá muito prazer", explica.
Depois de criar os precedentes com a autorização judicial para plantio, agora Margarete age no processo de educar famílias sobre o uso da maconha. No comando da Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal), ela ajuda famílias a conseguir encontrar uma luz e um tratamento possível à base de cannabis, independentemente da renda.
"A grande parte das mães que me procurava era mais pobre, com pouco acesso à informação, que não tem condições financeiras de conseguir consulta médica com um médico que prescreva ou de conseguir cumprir a burocracia para conseguir um remédio importado. Eu comecei a me envolver com essas famílias entendendo e me colocando no lugar delas", afirma a mãe de Sofia.
A gente viveu anos de proibição, a maconha é vista como a droga do demônio e associada à marginalidade.
Diferentemente de Margarete e sua família, algumas têm maior resistência ao uso da maconha, seja recreativo ou terapêutico. Mas ela entende que o preconceito com a planta é resultado de anos de demonização. "A gente viveu anos de proibição, a maconha é vista como a droga do demônio e associada à marginalidade", conta a advogada. E completa: "Você vê que tem mães que, por ver funcionando com outras crianças, quer experimentar mas tem um conflito. Ela não fala maconha, fala canabidiol".
Mesmo com a dificuldade de fazer a maconha ser entendida como uma planta que pode ter diferentes tipos de uso e afastá-la do estereótipo construído nos últimos anos, Margarete não desiste: "O preconceito é uma falta de informação. Quanto mais você informa, mais as pessoas vão se despindo desse preconceito. Esse é o nosso trabalho: informar. É mais de formiguinha mesmo, informar no dia a dia".
Quanto mais você informa, mais as pessoas vão se despindo desse preconceito.



A Apepi também ensina famílias a plantar a cannabis, faz a ponte entre médicos e pacientes e faz o trabalho de "lobby do bem", articulando com áreas de todas as esferas do poder para, quem sabe, conseguir a regulamentação da maconha no Brasil. É a associação também que, numa parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), quer incorporar um medicamento à base de cannabis, produzido no Brasil, no Sistema Único de Saúde. Se os objetivos estão pertos de serem conquistados? Não dá para dizer, principalmente porque o lobby contrário é muito forte.
"A gente encontra alguns políticos conservadores, de bancada evangélica. Tem alguns que agem diretamente com a intenção de que as coisas não avancem por causa do preconceito. E é muito pesado isso, porque tem pessoas com poder em Brasília que acham que é papo furado, mesmo com muita evidência e artigos científicos publicados. Eles não acreditam e tem um lobby fortíssimo para que isso não avance", explica a ativista.
Eu não penso em nenhum momento em parar de plantar ou parar de ensinar as pessoas a plantarem.

Mas nada disso é suficiente para Margarete se arrepender ou desistir da luta: "A gente só tende a avançar, independentemente do que aconteça na nossa política. Eu não penso em nenhum momento, independentemente do que aconteça no Brasil, politicamente falando, em parar de plantar ou parar de ensinar as pessoas a plantarem. É um caminho que não tem volta, de fato".
E para Margarete, o fim do caminho não é o dia em que a legalização acontecer. Ela acredita que o trabalho só vai mudar, mas sempre irá existir. "Com a legalização, o preconceito não acaba. Não vou ter menos trabalho se legalizar, mas vou ter outros trabalhos. A gente luta para que a legalização seja democrática, mas a gente não sabe como vai ser".
Independentemente de como seja, uma coisa não vai mudar a forma como Margarete enxerga seu trabalho, e deixa transbordar nos olhos que brilham ao contar sua história: "É apaixonante você ver que, se gosta de ajudar as pessoas, consegue fazer muita coisa!". E quanta coisa.
Fonte: HUFFPOST








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