A epilepsia dita a vida de Lorena Rosa de Souza, de 9 anos. Internada em casa, sob constante vigília de enfermeiras, a criança chegou a ter mais de 50 crises convulsivas por dia. Não interage com a família — reconhece as pessoas, mas não sabe falar. Embora seu estado de saúde ainda seja muito crítico, ela tem experimentado progresso desde 2015, quando sua mãe, Deise Rosa de Souza, conseguiu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar medicamentos à base de canabidiol, substância obtida da maconha destacada em diversos estudos por seu potencial terapêutico neurológico. A família, porém, esbarrou em dificuldades financeiras para continuar o tratamento. Para não interrompê-lo, decidiu pedir o medicamento ao plano de saúde por meio da Defensoria Pública. Foi mais fácil do que o previsto. Em vez de uma batalha nos tribunais, Lorena conseguiu que o plano assumisse os custos do remédio por meio de um acordo extrajudicial.
Embora não sejam obrigadas a oferecer o
canabidiol, já que a substância não consta no rol de procedimentos da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as operadoras de saúde
estão recomendando os planos a promover conciliações com pacientes que
reivindicam a substância, evitando ações judiciais. A Associação
Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) informou, em nota, que sugere
acordos entre operadoras e beneficiários para “dirimir a judicialização
do setor”. A entidade também defende a criação e implementação de varas
legais destinadas ao setor da saúde, “com juristas especializados e
jurisprudências objetivas”.
Defensora pública titular do Núcleo Cível
de Duque de Caxias, Alessandra Bentes intermediou o contato entre a
família de Lorena e o departamento jurídico da Amil, o plano de saúde da
paciente. Ela notou que as operadoras estão mais dispostas a negociar
com seus clientes porque têm noção das despesas demandadas por ações
judiciais e o desgaste das disputas para sua imagem perante os
consumidores. No caso específico do canabidiol, a maior estabilidade do
paciente reduz a demanda por outros serviços de atendimento.
— Conseguimos um instrumento para que a
Amil providenciasse um depósito na conta corrente da Deise, que realiza a
importação. No primeiro atendimento, a empresa até enviou um
funcionário para fiscalizar a chegada do remédio na Receita Federal —
conta Alessandra.
— O serviço é requisitado por pessoas que têm
uma situação delicada, por problemas de saúde e pela falta de recursos
para arcar com este tratamento. Muitas vezes estas famílias desconhecem a
possibilidade de assegurar este tratamento de forma gratuita.
Em nota, a Amil afirmou que vem fortalecendo
sua política de conciliação “por meio de acordos com os tribunais de
justiça que visam a diminuir a judicialização no país. Na época do
acordo, o caso em questão (de Lorena) enquadrou-se nos critérios dessa
política e o seu desfecho foi a cobertura para reembolso do medicamento,
adquirido diretamente pela família”.
‘QUESTÃO DE VIDA OU MORTE’
Deise, mãe de Lorena, destaca que o uso do canabidiol deixou as crises convulsivas “mais brandas”.
— Mostramos um laudo médico ao plano de saúde que deixava claro como o caso da minha filha era de vida ou morte. Diversas situações podem provocar suas crises: quando chora, quando ouve sons estridentes. Mas agora elas são menos fortes e não afetam a respiração — revela.
— Agora, a Lorena passa um dia inteiro sem ter convulsões. Seu
tônus muscular melhorou muito. Ela já consegue prestar atenção no que
acontece ao seu redor e voltou a ver televisão.
Segundo o neurologista Eduardo Faveret, o
fornecimento de canabidiol pelas operadoras de saúde é mais comum entre
pacientes que foram internados e, depois, passaram para assistência
hospitalar em casa, como é o caso de Lorena. Em outras situações, porém,
as empresas estariam menos propensas a oferecer estes medicamentos,
mesmo quando provocam uma reação extremamente positiva.
— Tivemos vários pacientes com uma
resposta sensacional ao medicamento à base de canabidiol, que não
precisam mais de atendimentos de emergência e de uma série de exames,
como a tomografia — assinala Faveret, que dirige o Centro de Epilepsia
do Instituto Estadual do Cérebro. — Trata-se de uma substância que reduz
a ansiedade, insônia, depressão, inflamação e sobrepeso, entre outros
males. Então, com tantos benefícios, alguns dos outros remédios
consumidos por essas pessoas também podem ser retirados. No entanto, a
Anvisa ainda não obriga os planos de saúde a pagarem pelo canabidiol, e o
custo de sua importação para o consumo de um adulto pode variar entre
R$ 500 e R$ 3 mil por mês, dependendo da dosagem. Uma operadora pode
dizer que não pagará este preço, caso um produto mais barato esteja
disponível.
Fonte: O Globo
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