sábado, 4 de abril de 2015

Canabidiol, quando se deve usar?

Se crianças e adolescentes ( aliás, qual o limite cronológico da adolescência? ) podem receber o tratamento, por que não jovem e adultos?


Se me faltava mais um motivo para ficar perplexa quando a questão é cuidar de meu filho com síndrome de Asperger (uma das facetas do espectro autista) e portador de epilepsia refratária, ei-lo na resolução de 16 de dezembro de 2014 do Conselho Federal de Medicina: ao permitir que os médicos prescrevam canabidiol apenas para crianças e adolescentes, a resolução veda ao meu filho, e a muitos outros adultos, o direito de receber este medicamento que, potencialmente, poderia ajudar no tratamento da epilepsia, doença que coloca em risco a integridade física e também contribui para deteriorar as suas capacidades cognitivas.
O canabidiol vem da cannabis sativa, a maconha, mas não apresenta os efeitos alucinógenos desta planta. Mais conhecida como droga de abuso, creio que os derivados químicos da maconha ficaram tão estigmatizados que as pesquisas clínicas a respeito do seu potencial terapêutico são escassas. É como se devessem ser queimadas as plantações de papoula, de onde se extrai a heroína, e desta forma padecessem de dor excruciante os pacientes necessitados de morfina, um derivado da heroína. Se, de fato, o canabidiol não é a milagrosa panaceia capaz de curar todas as formas de epilepsia, no entanto pode ser, dentre os medicamentos disponíveis, mais uma valiosa alternativa para tratar a epilepsia refratária.
Há anos ecoa na minha mente a frase de uma neurologista, após múltiplas tentativas e erros com antiepilépticos nacionais e alguns importados: a esperança para o meu filho poderia estar em uma nova classe de remédios, ainda não descoberta. Se existe incerteza quanto à segurança do uso prolongado do canabidiol, o que dizer, então, da politerapia de que todos se valem durante anos? E o que dizer das evidencias científicas segundo as quais, adultos com epilepsia refrataria são três vezes mais propensos à morte prematura. Um estudo finlandês revelou que 25% das crianças diagnosticadas com epilepsia estavam mortas 40 anos depois. Quase todas com epilepsia refrataria.
Por seu comportamento diferente, meu filho é incompreendido e mal interpretado no contato com a sociedade, que reage irritada, temerosa ou com pena, dependendo da situação. E o estigma piora quando uma crise epilética se dá em público. Eu estou do lado dele como protetora, assim como outros pais nas mesmas condições, e tradutora/intérprete para a sociedade. É assim porque a sociedade é preconceituosa e intolerante com quem não fala sua sofisticada linguagem social e com o diferente ou aquele cuja doença se manifesta por meio de comportamento incomum.
Na mesma linha, parece que a discriminação praticada pela sociedade em relação aos “diferentes” se plantou nas mentes dos membros do Conselho Federal de Medicina a semente do estigma sobre esta substância química extraída da maconha.
Não aceito que meu filho possa ser considerado velho demais para ser medicado e que, apesar dos três antiepilépticos diários, tenha de duas a cinco crises semanais. Se crianças e adolescentes (aliás, qual o limite cronológico da adolescência?) podem receber o tratamento, por que não os jovens e adultos. O risco (de que mesmo?) é maior para estes? O canabidiol pode, ou não, ser útil para o meu filho especificamente, mas de uma coisa estou certa: o relógio de sua vida prosseguirá em uma caminhada inexorável, enquanto burocratas, médicos, políticos, e seja lá mais quem for se embaraçam em um novelo de discussões sem fim.

Fonte: O Globo






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